20060110

O Gótico: nas fissuras da razão (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

O gótico habita as fissuras da Razão. Um momento de assombro, um segundo de desorientação que nos transporta para além das fronteiras do conhecimento. Textualmente, o gótico se apresenta como um efeito retórico que desafia a segurança epistemológica do leitor. A ordem pode ser imediatamente restabelecida, por meio de explicação autoral, trazendo os leitores de volta à lucidez e fazendo aquele instante de deslumbramento recolher-se à sua rachadura. Mas o gótico persiste, como uma semente de incerteza alojada nas fundações da Razão, pronta para emergir de novo, ou penetrar raízes cada vez mais fundo, até trazer o prédio inteiro abaixo.

Por esse ângulo, o gótico constitui uma resposta que se dá a uma inquietação, uma reação que acontece quando somos empurrados para além dos limites culturais que nos são familiares. É curioso notar como esse desassossego cultural freqüentemente se desdobra em questões de identidade nacional e política. Como discurso literário, o gótico teve início com os romancistas ingleses, na metade final do século XVIII, englobando uma solução para a ansiedade causada pela Revolução Francesa que acontecia do outro lado do canal. Com a popularização do romance, nos séculos XIX e XX, as convenções e imagens estabelecidas por esse gótico literário “clássico” difundiram-se pelo mundo e, no século XXI, elas ainda persistem com vigor, ressurgindo nos livros e no cinema. Apesar de o discurso gótico ser um fenômeno transcultural e trans-histórico, sua significação só pode ser estabelecida em um dado espaço e tempo. Isto quer dizer que os significados e as implicações do gótico têm que ser cultural e historicamente observados para que se compreenda seu sentido.

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