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Mas afinal ... o que é mesmo um documentário? (Fernão Ramos, 2008)


Mas afinal ... o que é mesmo um documentário? São Paulo: Senac, 2008. Fernão Ramos.

Mas afinal, o que é mesmo um documentário?
Uma narrativa composta de imagens de câmera, imagens de animação, ruídos, músicas, falas, para qual olhamos (espectadores) em busca de asserção sobre o mundo ou pessoa. A natureza das imagens de câmera e, principalmente, a dimensão da tomada através da qual as imagens são constituídas determinam a singularidade da narrativa documentária em meio a outros enunciados assertivos falados ou escritos.

As asserções ... qual a diferença entre documentário e ficção?
Proposições sobre o mundo histórico, embora muitas vezes haja mistura. O documentário é conceitual, faz uso de ferramentas analíticas que tem atrás de si uma realidade histórica. Historicamente se usou a voice over (voz fora de campo) nos documentários, mas a partir dos anos 60 entra o documentário mais autoral. O papel da voice over é assumido por entrevistas, depoimentos especialistas, diálogos, filmes de arquivo, vozes diversas que falam do mundo ou de si.

Mas a ficção não estabelece igualmente asserções sobre o mundo?
Não da mesa forma e não para o mesmo espectador. Não se propõe o entretenimento de um universo ficcional e seus personagens, levando adiante o mundo ficcional de empatia, emoções fantasia. O mockumentary se propõe a enganar explicitamente o espectador. O documentário tem a intenção social, enquanto a narrativa ficcional trabalha com atores, o documentário com os próprios corpos que encarnam as personalidades do mundo, pessoas que experimentam de modo próximo o universo mostrado. Vozes diversas que falam do mundo ou de si.

Mas como saber se o que estou assistindo é um documentário?
Pela indexação que está presente na maioria dos casos. Não se assiste a um filme para descobrir se é ficção ou documentário, o espectador já vai sabendo a intenção do autor/cineasta. A indexação que orienta e direciona a recepção. O aspecto estrutural também é importante, em suma, estilo e intenção. Há filmes que exploram as fronteiras entre documentário e ficção, O Sanduíche (Jorge Frutado) e No Lies (M. Block), mas a proposta de iludir e brincar não deve levar ao questionamento do campo todo.

Este filme não é um documentário, ele manipula a realidade!
O fato de asserções documentárias serem falaciosas ou tendenciosas costuma provocar debates sobre o campo documentário (depende do ponto de vista de quem analisa). A qualidade das asserções de um documentário não interfere na definição do campo - documentário nazista. Isso não retira o caráter de documentário, a realidade é um leque de interpretações possíveis – documentário sobre extraterrestres. Objetividade e realismo são conceitos relativos. Imprecisões em Michael Moore, embate esquerda v. direita, comparação com um ensaio ou tese.

Mas se um documentário pode mentir como valorar sua ética?
A ética de um documentário não é algo estável historicamente. A Ética é um conjunto de valores que fornece uma visão de mundo sujeita a circunstância tomada.

Mas como esse filme é um documentário se ele foi encenado?
O documentário já nasce com um grau de encenação: locação escolhida, roteiro prévio definido. O comportamento e atitude do sujeito para a câmera é uma encenação ainda que não igual à de um ator.

Mas podemos falar em fronteiras do documentário?
Sim, o fato das fronteiras serem flexíveis não implica sua inexistência, nem retira o significado das áreas que delimitam. Demonstram que a criação autoral é livre, mas a incidência sobre a definição é pequena.

Mas porque uma narrativa baseada em fatos históricos é um docudrama e não documentário?
Porque possui as características de uma narrativa de ficção tal como esta se configurou na história do cinema. Estruturalmente as narrativas de Hollywood não se enunciam como documentário. As passagens e intrigas levam para a fantasia. Enuncia a história de um modo diferente do docudrama.

Mas como distinguir a repostagem do documentário?
Historicamente o documentário surge nas beiradas da narrativa ficcional, da propaganda e do jornalismo. Há um grau de criatividade no tratamento do assunto que a reportagem não possui. O formato enunciativo da reportagem é o programa, alguns mais espetaculares direcionados para a televisão.

Mas este filme não é documentário, é mera propaganda!
De novo a questão da verdade, Tiros em Columbine, para muitos, é propaganda anti-armamentista e não documentário. Para outros é a verdade sobre a indústria bélica. Cai-se em um circuito fechado. O documentário é uma forma imagética-sonora que enuncia asserções entendidas documentárias para o espectador, descoladas da verdade, aquilo que para uns é propaganda para outros é a verdade.

Instalação vídeo-arte é documentário?
A definição de documentário é uma forma narrativa que pode ser exibida em diversas mídias, sala de cinema, televisão, internet. A arte de vanguarda teve influencia sobre a tradição documentária em seu primeiro momento, mas não se deve abrir o campo de definição hoje em dia para não passar a designar tudo como documentário.

Elementos estruturais que compões a narrativa documental:
Tomada (olhar a realidade do mundo)
Sujeito da câmera (conjunto atrás da câmera).
Forma da câmera (Vertov - repórter cinegrafista/ cine-olho – no mundo)
Montagem
Espectador
Asserção.