20130413


Ingleses no Brasil: literatura de viagem no século XVIII


As crônicas e relatos de viajantes estrangeiros que passaram pelo Brasil são documentos que contribuíram para formar e reforçar a imagem que os brasileiros têm de si. Da mesma forma que a Carta de Caminha pode ser considerada um documento que traz em si um ato de fundação inscrito no imaginário brasileiro, os depoimentos vivenciais escritos por viajantes europeus que passaram pelo país, principalmente durante o século XIX, são textos que de certa forma contribuíram para a criação de uma imagem de Brasil. Este projeto se interessa por relatos de viagens e registros históricos semelhantes produzidos por ingleses no século XVIII, ou anteriores a 1808. Entretanto, para efeito de contextualização, é necessário explicar a conjuntura do que já foi pesquisado e debatido nesse sentido sobre viajantes estrangeiros no século XIX.
Tomar conhecimento críticos desses textos que buscaram decifrar a fauna e flora, os hábitos e costumes locais, quer por curiosidade, interesse econômico ou científico, para depois tornar a cifrá-los para serem consumidos nos seus países de origem é aqui, uma maneira de se compreender a relação centro-periferia que ainda domina a percepção cultural que não apenas os estrangeiros, mas os próprios brasileiros têm do Brasil. Em outras palavras, a hipótese que se defende aqui é quea literatura de viagem pode iluminar perspectivas que dizem respeito tanto à realidade mimética local quanto à ficcionalização do país, constituindo uma pesquisa que aponta duplamente o registro de uma história cultural pouco explorada e possíveis intersecções com a imaginação dos viajantes.
Dito de outra forma, a proposta aqui é buscar compreender as diferentes motivações e intuitos com que esses registros foram escritos, pois assim, através da desconstrução ideológica e da exposição da agenda sociopolítica, a relação entre Europa e Brasil, ou a relação entre os hemisférios norte e sul, que ainda domina a percepção cultural que o brasileiro possui sobre o que é civilização e qual deve ser o modelo de desenvolvimento almejado, pode ser melhor compreendida. Em última instância, tal compreensão pode iluminar algumas das percepções que os brasileiros têm a respeito de si.
Dentro desse contexto de identificação da ‘imagem internacional do Brasil’, há alguns viajantes europeus cujos nomes e depoimentos já se tornaram bem conhecidos, a exemplo dos alemães Spix e Martius (1820) e Moritz Rugendas (1825), dos ingleses Charles Darwin (1832), Alfred Wallace e Henry Bates (1848), entre outros. No contexto do século XIX, os relatos de viajantes ingleses, em particular, são de grande interesse, primeiro porque após 1808,[1]a Inglaterra tornou-se uma presença preponderante no Brasil e, segundo, porque são justamente os textos dos viajantes ingleses que vão oferecer alguns dos principais relatos sobre ‘o estado da nação’ após a transferência da corte. Pode-se considerar que tais relatos são, até certo ponto, categóricos e determinantes na descrição e elaboração da identidade cultural dos habitantes do Novo Mundo.
A passagem de viajantes ingleses pelo Brasil no século XIX já está relativamente bem documentada,[2]e muitos desses relatos já foram trazidos e publicados em português, entres alguns mais conhecidos cita-se Maria Graham (Diário de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Brasiliana, 1956), John Luccock (Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil, tomadas durante uma estada de dez anos nesse país, de 1808 a 1818. São Paulo: Martins Fontes, 1942), John Mawe (Viagens ao interior do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1978), Thomas Lindley (Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1969) e Henry Koster (Viagens ao nordeste do Brasil. São Paulo: Brasiliana, 1942), este último traduzido pelo escritor e folclorista Luis da Câmara Cascudo.
Há ainda outros viajantes ingleses relativamente bem conhecidos, mas cujas obras ainda não foram traduzidas, a exemplo de, James Henderson (A History of Brazil comprising its geography, commerce, colonization, aboriginal inhabitantsLondon: Longman, 1821), Sir Henry Chamberlain (Views and costumes of the city and neighbourhood of Rio de Janeiro, Brazil from drawings taken by Leitenant Charberlain, of the Royal Artillary during the years of 1819 and 1820. Londres: Columbia Press, 1822), Alexander Caldcleugh (Travels in South America during the years of 1819-20-21; containing an account of the present state of Brazil, Buenos Ayres, and Chile. London: John Murray, 1825) e A. P. D. G. (Sketches of Portuguese life, manners, costume, and character illustrated by twenty coloured plates by A.P.D.G. London: printed for Geo. B. Whittaker, 1826).
No entanto, outros viajantes britânicos, a exemplo de homens de negócio do setor naval, marinheiros contrabandistas, corsários a serviço do governo, piratas, já circulavam na costa brasileira muito antes de 1808. Esses viajantes produziram registros que são menos conhecidos e estudados: diários de viagem, livros de bordo, revistas, mapas e desenhos que procuravam, entre outros propósitos, diminuir os perigos da navegação, fornecer detalhes sobre a geografia brasileira, assim como informações culturais visando aprimorar o conhecimento geral sobre o povo e produtos naturais brasileiros. Mais precisamente, interessa para este projeto investigar registros anteriores a 1808 em busca de compreender, através do olhar estrangeiro, “o estado da nação” no Brasil, a construção da imagem localde modo a analisar a concepção de nação/nacionalidade subjacente a tais relatos.
Durante a investigação das narrativas de viajantes ingleses anteriores a 1808 espera-se encontrar 1); numerosas referências à Natureza brasileira - em prosa, verso e desenhos - descrevendo a fauna e a flora local 2) possíveis descrições de encontros com fantásticos e fabulosos seres tropicais, muitas vezes narrados para angariar o interesse do público leitor europeu; 3) descrições de hábitos e habitantes locais narrados ora com a condescendência de quem se encontra na posição de domínio, ora retratadas com características francamente negativas, podendo até elevar os nativos à categoria de “monstros”. Nesse momento, há alguns nomes e obras selecionados para dar início à pesquisa, são eles George Anson, James Cook, Joseph Banks, Charles Solander, e Arthur Bowes Smith, mas espero encontrar mais viajantes no decorrer do projeto. A realização desse projeto envolve, inicialmente, pesquisas catálogos, acervos e bancos de dados online para buscar evidência de tais registros históricos. Se ainda não houve a digitalização do material, irei visitar bibliotecas e outras instituições semelhantes, a fim de localizar fisicamente e ler o conteúdo dos relatos de viagem.
Estar ciente de este olhar britânico sobre o Brasil, sobre relação e as trocas culturais entre os dois países, focando na representação do Brasil na imaginação literária britânica e nas origens, motivações e intenções dessas percepções, com seus momentos de perplexidade e choques culturais, talvez possa iluminar algumas percepções de brasileiros têm a respeito de si, em particular do que se entende por "civilizado" e se almeja como modelo de desenvolvimento a ser perseguido.



[1]Nesse ano, a fim de evitar um confronto com Napoleão, o Príncipe Regente de Portugal, Dom João VI, fugiu para sua colônia sul-americana escoltado pelo diplomatic envoy da Grã-Bretanha, Lord Strangford. Uma vez no Rio de Janeiro, o Príncipe e o representante britânico assinaram um tratado (Abertura dos Portos como Nações Amigas) com o objetivo de facilitar o comércio entre os dois países – o que em realidade se traduziu em diversos tipos de concessão e de privilégios para os cidadãos britânicos. Em suma, a presença britânica no Brasil tornou-se mais intensa a partir de 1808.
[2] Destaco aqui a passagem de alguns viajantes americanos pelo Brasil: Henry Marie Brackenridge, (Voyage to South America, performed by order of the American Government in the years of 1817 and 1818 in the Fragate Congress), John Esaias Warren (‘Amazonia Wanderings’, in The American Whig Review, Volume 0006, Issue 6, Dec 1847), John G. Whittier (‘Freedom in Brazil’ in The Atlantic Monthly, Volume 20, Issue 117, July 1867) e Rev. Daniel P. Kidder (‘Brazil’, in The United States Democratic Review, Volume 19, Issue 97, July 1846), este último escreve sobre o Estado de Santa Catarina. A revista The American Missionary, disponibilizada no acervo do site de livre acesso Making of America, contem diversas referências ao Brasil.

Estudos Culturais

Os Estudos Culturais, com seus questionamentos que separam as várias disciplinas, permitem uma interpenetração entre diferentes áreas de conhecimento, redirecionando discussões em torno do cânone e da suposta separação entre cultura elitizada e cultura popular para questões vinculadas ao hibridismo de formas, discursos, e gêneros, que constituem a nossa realidade contemporânea.
Desta forma, a televisão e o cinema têm assumido papés de destaque  junto à academia, dada a necessidade de analisar detalhadamente os elementos que permeiam nosso horizonte cultural e têm influenciado a literatura, ficcional e crítica, produzida no século XX e XXI. 
Os Estudos Culturais, com teóricos influentes, a exemplo de Stuart Hall, James Clifford, Robert Stam e Andrew Ross, também auxiliaram no processo de criação de um espaço crítico-teorico diferenciado, para que questões como gênero, identidade e nacionalidade possam ser discutidas sob uma perspectiva mais atualizada, tendo em vista o panorama cultural e político côntemporâneo, no qual culturas periféricas assumem uma posição mais central.
A ilustração mais precisa da urgente necessidade de se redefinir as separações tradicionais entre produções culturais produzidas em países de primeiro e de terceiro mundo encontra-se no cinema e na televisão, onde ocorre uma interpenetração de formas estéticas - sejam elas pertencentes a cinemas mais nacionalistas, como o suposto cinema alegórico nacional produzido por países de terceiro mundo, ou mais hollywwodianas, com a produção de filmes mais paródicos e modernos (Frederic Jameson). 
No cinema e na televisão ocorre uma interpenetração de culturas tradicionalmente vistas como isoladas uma das outras, renegociando, também, relações hierárquicas pré-estabelecidas. Nesse contexto, os Estudos culturais possibilitam 1) o questionamento de práticas críticas distanciadas do caráter transdisciplinar da produção atual e 2) uma redefinição das relações de troca entre a produção cultural de países de primeiro e terceiro mundo.