20121019

O Sentido do Filme (Eisenstein, 2002)

Sergei Eisenstein. O Sentido do Filme. Trad. Teresa Otoni. Rio: Zahar, 2002.

m=c2 (montagem é igual a cinema ao quadrado)

Palavra e Imagem

Houve uma época no cienma soviético em que se proclamava que a imagem era "tudo". Ao final desse período a montagem foi considerada um nada. Voltar a abordar o problema com maior simplicidade. Montagem 1) necessidade da exposição coerente e orgânica do tema, material, trama, da ação; 2) aspecto emocional da história, lógica e continuidade, i.e., obra logicamente coesa e uma narrativa com o máximo de emoção e vigor estimulante.
Pedaços de filmes de qualquer tipo colocados juntos, inevitavelmente criam um novo conceito, uma nova qualidade surge da justa posição (não é uma característica peculiar ao filme, ex. túmulo+mulher chorando). Na literatura chama-se portmanteau, palavra criada por Lewis Carroll. Paródia: horrível+terrível = torrível, alcoholidays, terrir.
Resultados diferente de quando se considera os elementos isolados. O problema dos críticos foi ressaltar demais as possibilidades da justaposição (em detrimento do problema da análise do material sobreposto). Os críticos de Eisenstein apontaram a falta de interesse pelo conteúdo, confundindo o interesse do experimentador pela análise de certos aspectos. Eisenstein estava preocupado com a potencialidade atípica da construção e composição formal. Foi dada menor atenção à análise da natureza real dos fragmentos justapostos. O resultado foi a depreciação da montagem ao nível de 'efeitos especiais', 'sequencias de montagem'.
Nem focar no conteúdo dos planos isolados nem apenas na questão da justaposição compositiva dos conteúdo, mas no conteúdo como um todo.
A montagem, com seus planos isolados, não se distancia dos princípios do estilo realista, mas pode até reforça-lo sendo um recurso coerente e prático para a narração naturalista. Mas, o que esta compreensão da montagem implica? Cada fragmento passa a ser não mais algo solto, independente, não-relacionado mas uma representação particular do tema geral que penetra em todos os fotogramas. Cria-se uma qualidade geral mediante a qual o espectador apreende o tema, ou seja, fragmento A (derivado do tema) e fragmento B (derivado da mesma fonte) em justaposição, faz surgir a imagem na qual o conteúdo do tema é corporificado de modo mais claro. Vronsky: Ana Karenina grávida e o relógio sem ponteiros. Não adianta apenas mostrar a imagem, algo tem que acontecer antes para que o espectador faça a conexão. 12 badaladas, hora do destino em ZdC, adicional sonoro.
Rua 42 em NY enquanto uma imagem total. A obra de arte, entendida dinamicamente, é o processo de organizar as imagens e sentimentos nas mentes do espectador. Representações separadas se transformam em uma imagem, feita inteiramente por meio de montagens. Maupassant (texto: Bel Ami), 12 badaladas e diferentes planos: geral, médio, conjunto. Se fosse o objetivo apenas informar a hora ele não teria usado esse recurso.
A montagem enquanto uma representação empolgante (em oposição a apresentação da informação ou do registro do acontecimento) aqui criação pelo autor, antes criação pelo espectador. Por esse viés, as técnicas do ator e do diretor são muito semelhantes: capturar a imaginação do espectador. Eisenstein não considera essas duas vertentes diferentes, pois há a mesma concretização intensa do tema que se torna perceptível através de detalhes determinantes, sendo efeito da justaposição desses detalhes a evocação do próprio sentimento.
Homem de costas, olhar vítreo, mulher com o olhar abaixado: Lentes mentais. Tudo que precisa para transformar esses fragmentos em um roteiro é a colocação de números nesses fragmentos. Este exemplo revela o segredo da realização do roteiro de filmagem, com emoção genuína e movimento, em vez de alternância tediosa.
Enjambement = continuação de uma frase ao final do verso; encadeamento de frases descritivas. Interessa com relação as harmonias audiovisuais no cinema, em que o quadro é o papel e a frase a articulação musical ou rítmica. Conclusão: não há incompatibilidade entre o método pelo qual o poeta descreve o o método pelo qual o ator cria dentro de si, e o método pelo qual o diretor, através da mediação da montagem, constrói o filme inteiro. Afinidade e unidade final estão no método. Os profissionais da arte cinematográfica devem não apenas estudar o estilo dramático do ator mas o domínio das sutilezas da criação da montagem em todas suas aplicações.

Sincronização dos sentidos

Representação A e B devem ser selecionadas em relação aos temas em desenvolvimento de modo que a sua justaposição suscite na percepção e nos sentidos do espectador a mais completa imagem desse tema. O cinema sonoro apresenta novos desafios demandando uma análise global da natureza dos fenômenos audiovisuais. Montagem polifônica, ligada através do avanço de múltiplas linhas: movimento, iluminação, cores, sons. Combinação de todas as peças como um todo. Não se difere da estrutura da montagem do cinema mudo, apenas envolve mais elementos.
Sincronização pictória e melódica. Relações absolutas entre cor e som.

Cor e Significado

Há o método que tenta divorciar todos os elementos do conteúdo. Mas há a tentativa de organizar sensações subjetivas em relações pessoais significativas. Ambas tentativas são vagas e remotas. A Premissa é que as cores psrticulares exercem influências específicas no espectador. Marelo= fatal, verde= vida. Mas não é universal.

Forma e conteúdo: prática

Antes discutiu-se uma questão colocada pelas combinações audiovisuais: a chave para a igualdade rítmica entre música e imagem.
Música
I (combinar verticalmente)
Imagem  - (combinar horizontalmente)

20121018

O Discurso Cinematográfico (I. Xavier, 2008)

Ismail Xavier. O Discurso Cinematográfico, a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

Classicamente costuma-se dizer que um filme é constituído de sequencias, unidades menores dentro dele, marcadas por sua função dramática ou posição dentro da narrativa.

Cada sequencia é constituída de cenas - partes dotadas de unidades espaço-temporais.

Decupagem é o processo de decomposição do filme (sequencias e cenas) em planos.

Plano é cada tomada da cena, ou seja, extensão de filme compreendida entre dois cortes, plano é um segmento contínuo da imagem.

Plano também é um determinado ponto de vista em relação ao objeto filmado: Plano Geral, Plano Médio/Conjunto, Plano Americano, Primeiro Plano ou close-up, Primeiríssimo Plano.

Câmera Alta e Câmera Baixa.

Diegese (mundo representado)

André Brazin - profundidade do Campo contra Montagem, realização máxima da janela cinematográfica.

Cinema Brasileiro nos anos 50 e 60 (G. Bilharinho, 2009)

Guido Bilharinho. Cinema Brasileiro nos anos 50 e 60. Uberaba: INC, 2009.

Jardim de Guerra: o ser e o fato
Jardim de Guerra, de Neville d'Almeida, estrutura-se eventos ficcionais distintos, conquanto ligados pela mesma personagem  Poderia ser obra autônoma dadas as diferenças. Numa tem-se o protagonista na sua disponibilidade vivencial e descoberta do amor. No outro a personagem às voltas com a franja criminal da cidade. Numa a poeticidade do amor e da juventude, noutra a negação da brutalidade da atuação repressiva dos pretensos defensores da ordem, sob o pretexto de combater o crime. O interrogatório e as torturas a que o protagonista é submetido, o clima de mistério que envolve sua prisão espelham o tenso ambiente político da época. Contudo o objetivo não é entreter o espectador, seu modo de proceder é oposto à fruição. Descompromissado e expelindo a emoção e reivindicando inteligência e sensibilidade. Não provoca entusiasmo, é fria e destituída de explicações a respeito da origem, princípios e modo operacional da organização que luta contra a desordem. Atinge a razão, nunca a emoção, porque esta foi alijada na composição da trama, apresentando isso numa ambientação sci-fi, obra de ressonância apenas intelectual que se o público ignora, se dissolverá no decurso do tempo.

Meteorango Kid, o heroi intergalático: o cotidiano e o insólito
O título só te a ver simbolicamente com o filme, por isso levando muito espectador a ver uma coisa por outra. Ao contrário das conclusões que os desavisados poderiam tirar do título, o filme é justamente o contrário: a vida de um jovem estudante de cabelos compridos e barbicha. O início mostra um hominídeo descendo da árvore  atingindo o sacrifício da cruz e dando de cara com o mundo contemporâneo (itinerário histórico-evolutivo equiparável à 2001, um odisseia no espaço). Vida marcada por forte conteúdo individual e libertário, vazio destituído de significação. Se a representação da vida cotidiana é fastidiosa, a exploração dos ângulos e enquadramentos valorizam a narrativa dos seres humanos com a sua mobilidade e corporalidade, construindo em preto e branco imagens pictóricas das ruas, calçamentos, muros e paredes de Salvador-Bahia.

A Mulher de Todos: as situações e seus espaços
Em fins de 1960, a intelectualidade brasileira vivia um impasse, já que reprimidas e esvaídas as expectativas criadas e alimentadas no decorrer dos anos anteriores a 1964, de desenvolvimentismo, democracia participatória, autonomia econômica e administrativa para os governantes dirigi-lo conforme os interesses nacionais. O denominado cinema marginal surgido nessa época em seguida ao crítico e afirmativo Cinema Novo,  refletiu o estados de espírito de perpexidade impotência e desilusão, sem perda, todavia, da preocupação cultural e artística. Um dos filmes paradigmáticos desse período é A Mulher de Todos, simbólico até no título, mesmo que o cioneasta não tenha intencionado, de um país que era e continua sendo de todos menos do seu esposo legítimo (o povo -  vide revogação do Estatuto do Capital Estrangeiro). A protagonista do filme gosta de biçãis, a classe dominante do país, exploradores estrangeiros. A ninfomaníaca que passa o tempo todo se relacionando com o homem que está mais próximo ou que se aproxima. "sou livre, e os outros? Não existe liberdade individual sem liberdade coletiva".