20050710

A Filosofia Crítica Sadiana (Daniel Serravalle de Sá, 2005)

A retórica de Sade tinha como tática desqualificar a moralidade divina sobre a qual repousa a crença cristã. Seu mundo se apresenta cruel e caótico, sem Deus nem salvação. Ao mesmo tempo, o marquês refuta a teoria dos bons sentimentos, como queriam os filósofos enciclopedistas, que postulavam a bondade do ser humano e a moral sedimentada na benignidade natural. Para ele a criação de bons princípios inerentes aos homens representavam igualmente obstáculos para a libertação final. Desqualificando simultaneamente as bases da moral religiosa e da moral iluminista, o marquês só reconhecia como válido os instintos brutais da natureza.

Segundo a tese de Jacques Domenech, Sade se integraria na disputa do século XVIII com o intuito de desqualificar os dois grandes campos adversários que debatiam os fundamentos da moral. De um lado se colocavam os pensadores cristãos, que postulavam a impossibilidade do homem encontrar a salvação sem a ajuda de Deus, estes filósofos da religião fundamentavam a moral em princípios transcendentes. Do outro lado haviam os filósofos do otimismo antropológico, que sustentavam a bondade natural do homem como princípios imanentes. Estes últimos se dividiam em dois grupos, aqueles que defendiam a moral dos sentimentos (como Rousseau, Voltaire), ou seja, o bem e o mal são inerentes ao homem; e ainda aqueles chamados de materialistas (Helvetius, La Mettrie), que opõem-se à idéia de sentimento inato, sustentando que tudo é adquirido através do convívio social. Nesse caso a moral partiria do interesse e das paixões do indivíduo que deve buscar nas associações sociais a garantia deles.

Sade contesta os princípios da moral cristã e dos filósofos racionalistas, recusando suas garantias. Ainda segundo Domenech a originalidade do pensamento do marquês consiste em jogar um campo contra o outro, contestando a existência de Deus e da moral dos sentimentos ao mesmo tempo. Por um lado Sade se aproxima mais dos materialistas, porém nega a idéia de que é possível conciliar Natureza e sociedade. Movido pela vontade de provar, Sade faz da criação romanesca o espaço de um debate político e filosófico. No âmbito da composição da obra artística ele se apodera da apologética cristã e da forma do conto voltariano, o exemplo que balança mais harmoniosamente a ficção romanesca e o pensamento filosófico, seria a sua segunda versão de Justine.