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Jacques Cazotte e O Maquês de Sade (Daniel Serravalle de Sá, 2008)



www.tropicalgothic.ciberarte.com.br (legacy site) 30/11/2008

Jacques Cazotte

Written by the Frenchman Jacques Cazotte, Le Diable Amoureux (1772) is an endeavour into the sheer surreal reign of dark narratives. 'The Devil in Love' is a necromantic story in which the protagonist, Don Alvare Maravillas, summons the devil in a secret magic ritual. The daemon appears in the form of a monstruous dromedary head, which Don Alvare grabs by the ears subduing it and making it transmutate into an obedient dog. Thereafter, the devil, suposedly in love, starts to follow him everywhere now transformed into a desirable blonde ninfette, Biondetta, who disguises herself as a servant boy. Amidst transmutations, mental confusion and reality distortion, the dream-like and fantastic atmosphere prevails all through the narrative. The dénouement apparently does not affirm reality over fantasy, making the gloom and mystery in this text rather distinct from the literary strategies set by the English Gothic. The paradigms established by this narrative belong to another branch of irrationalist stories which ecchoes in the work of writers such as E.T.A Hoffman and his Der Sandmann (1816), and Die Verwandlung (1912), Kafka's Metamophosis.
Entre todas as narrativas góticas, Le Diable Amoureux (1772), escrita pelo francês Jacques Cazotte, é uma viagem extraordinária ao reino do surreal. "O Diabo Enamorado" é uma história necromântica na qual o protagonista, Don Alvare Maravillas, invoca o diabo em um ritual secreto de magia. Este o atende na forma de uma mostruosa cabeça de dromedário, a qual Don Alvare pega pela orelhas subjugando-a e fazendo o diabo se transmutar em um cãozinho obediente. O demônio, supostamente enamorado, passa então a obedecê-lo e segui-lo por toda parte, agora transformado em uma ninfeta loira, Biondetta, que se disfarça de mancebo escudeiro. Por entre transmutacões, confusão mental e distorção da realidade, a atmosfera onírica e fantástica prevalece ao longo de todo o texto. Sem um desfecho que aparente afirmar a realidade sobre a fantasia, tudo que há de mistério e sobrenatural no texto recebem um tratamento diferente das estratégias literárias utilizadas pelo gótico inglês. Os paradigmas estabelecidos por essa narrativa pertencem à outra vertente de histórias irracionalistas, a qual ecoa na obra de escritores como E.T.A Hoffmann e o seu Der Sandmann (1816), e Die Verwandlung (1912), A Metamorfose de Kafka.
Le Diable Amoreaux (1772)

120 days of Sodom ( Les Cent vingt Journées de Sodome, 1785)
Philosophy in the bedroom (La Philosophie dans le boudoir, 1795)
O criminoso Marquês
Muitos já ouviram falar de Donatien Alphonse François, o marquês de Sade (1740-1814), mais conhecido por ter emprestado seu nome para a psicopatologia humana que se convencionou chamar de sadismo, na qual castigos sexuais são infligidos com a finalidade de gerar o sofrimento da vítima e o deleite do algoz. Entretanto, poucos sabem que pelos crimes de luxúria cometidos contra a sociedade francesa do século XVIII, o infame marquês pagou um preço caro e permaneceu grande parte da sua existência na prisão. Seu trajeto em vida foi errático, a origem nobre e próspera não foi o suficiente para impedir sua desdita. Não obstante, Sade certamente desfrutou de uma vida opulenta e da concupiscência proporcionada por uma posição aristocrática na França anterior à Revolução. Sua família, radicada na região de Provença, era bastante influente e se orgulhava de uma comprovada descendência de Laura, a musa do poeta italiano Petrarca. O jovem Sade, no auge da sua glória, ocupou o posto de capitão na cavalaria durante a guerra dos Sete Anos. Porém, a partir de 1768, um longo revés da fortuna passa a assolar o marquês.
Nesse ano suas práticas conhecidamente devassas lhe renderam uma condenação por sodomia, no processo movido por Rose Keller (ou Kailair), situação da qual ele escapa quase intocado. Posteriormente, suas constantes parties de libertinage o levam a outra condenação, em 1772, no episódio conhecido como o caso das garotas da Rue de Capuchin. Devido a uma série de condições desfavoráveis, nominalmente, os freqüentes excessos do marquês, seus desafetos pessoais, as intrigas familiares e políticas, a própria decadência da monarquia absolutista, parecem se juntar para torná-lo depositário, ou "bode expiatório" dos desassossegos de uma sociedade em mutação. Em 1777, o tribunal o condena, em definitivo, a um encarceramento de quatorze anos, sendo este o período mais longo que permaneceria na cadeia, mas não o último. Mantido quase sempre em condições insalubres, Sade passa um total de vinte e sete anos de sua vida trancado em diferentes prisões e sanatórios da França, dos quais pode-se citar: Miolans, Vincennes, Saumur, Pierre-Enclise, Bastilha, Sainte-Pelagie, Madelonnettes, Saint-Lazare, Picpus e Charenton.
Apesar dos muitos anos passados no cárcere, não foi na restrição da liberdade que o marquês de Sade encontrou melhoramento para sua conduta libertina, ao contrário. Durante o tempo em que permaneceu preso desenvolveu uma forma oblíqua de compreender a Natureza. Seu entendimento revela uma concepção caótica da Natureza e uma orientação fundamentalmente sexual do mundo, produzindo um universo que exalta a mistura entre violência e libido, o qual jamais procura refúgio na espiritualidade ou no princípio divino.
Obrigado à clausura, o marquês passou por um processo de intelectualização na cadeia e se tornou escritor. Despendia o tempo lendo, escrevendo cartas e elaborando suas famigeradas histórias libertinas. Apesar da precariedade da prisão, longe de ser um ambiente propício à leitura e escrita, entre outros livros, o marquês teria lido com atenção O Príncipe (1532), de Maquiavel, L'Homme Machine (1748) de La Mettrie e O Sistema da Natureza (1770) de D'Holbach, apropriando-se das idéias materialistas promulgadas nessas obras para elaborar a sua posição intelectual. Sobre seu período no cárcere, sua sobrevivência a condições muitas vezes insalubres e sua perseverança, o biógrafo Donald Thomas, diz que Sade "emergiu com o espírito intacto e uma chocante filosofia alternativa do comportamento humano que escrevera no longo período de sua reclusão". (Thomas, 1992: 10).
Jean Desbordes estudou a correspondência relacionada ao marquês durante seu encarceramento e publicou tais cartas, as quais, em sua maioria, eram pedidos e solicitações endereçadas à sua esposa, ao seu procurador, às autoridades, mas sem referência direta a assuntos políticos ou intelectuais. Entretanto, o trabalho documental de Desbordes aponta para um crescente amadurecimento das idéias do marquês, evidenciando uma preocupação filosófica imbuída nas cartas. De acordo com o estudioso, uma reflexão sobre as mudanças que se configuravam no período, e sobre a sua própria inserção naquele mundo, começava a tomar forma, ainda que as cartas tratassem de aspectos essencialmente práticos. Segundo Desbordes, a correspondência do marquês ao final da vida evolui de modo a revelar uma posição irredutível no campo da idéias e convicções, a qual estaria indicada na vontade incessante, talvez obsessiva de reescrever e publicar seus textos libertinos e pornográficos (Desbordes, 1968).
Entre os trabalhos mais representativos do marquês, aqui citados os títulos em francês e as respectivas datas de publicação, estão Les Cint Vingt Journées de Sodome (1782), Dialogue entre un prête et un moribond (1782), Justine, ou Les Infortunes de la Vertu (1791), Philosophie dans le Boudoir (1795), Aline et Valcour(1795), Juliette, ou Les Prospérités du Vice (1797), Les Crimes de l'amour (1801). Apesar de ter escritos outros textos e peças teatrais, a reputação de Sade se encontraria nos livros acima, os quais fizeram sua (in) glória no século XVIII.
Ciente das retaliações que poderiam suceder, devido ao conteúdo dos seus romances, Sade publicava sob um nomme de plume e chegou a negar enfaticamente ser o autor de Justine para evitar a guilhotina. De fato, sua previsão se confirmou, pois, de modo geral, os críticos dos séculos XVIII e XIX vilificaram a figura do marquês. Em 1790, a roda da fortuna pareceu dar uma guinada, quando as forças revolucionárias o libertaram da pena imposta na lettre de cachet, assinada por Luís XVI, o rei deposto. Em liberdade, o marquês travou relações sociais que lhe proporcionaram uma recolocação vantajosa na sociedade, foi nomeado presidente da Section de Piques, espécie de distrito da cidade de Paris. Sade poderia ter aproveitado a oportunidade para vingar-se da família Montreuil, que tanto o fez padecer no cárcere, mas sublimou o desejo. Nesse período aproveitou para publicar os livros produzidos na cadeia e tentou emplacar algumas peças de teatro, as quais não obtiveram muito sucesso. Todavia, novas conturbações o levam novamente à cadeia. Com alguma dignidade, enfim, Sade termina a vida, longevo, e supostamente sem remorsos nem culpas, no sanatório de Charenton, em 1814. Apenas no final do século XIX, com a ascensão da Psicologia, é que se propõe um outro ângulo de leitura para obra do marquês. Richard Kafft-Ebing inicia essa retomada do interesse por Sade com o livro Psychopathia Sexualis (1876), no qual cunha o termo sadismo.