20060111

Os Vilões Góticos (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

Como o cenário dos romances góticos raramente é a Grã-Bretanha, a representação usual da Natureza é orientada pela geografia estrangeira. Deslocar as ansiedades no tempo e no espaço seria uma maneira de projetar no “outro” assuntos que a tradição protestante21 não queria abordar em seu próprio território. Essa transferência presente no romance gótico dirige-se a questões de estética e política desencadeadas pelos episódios revolucionários na França em 1789. Os romancistas ingleses interpretavam os acontecimentos na França à luz da sua própria história, considerando a Revolução Francesa como uma perpetuação tardia da sua reforma burguesa de 1688, a qual limitou o poder monárquico subjugando-o ao parlamento. Tais histórias de horror eram ambientadas principalmente da Itália, mas também na França e na Espanha.
O romance gótico expõe suas contradições ao tentar reunir uma escala de valores burgueses, a exemplo do sentimentalismo, virtude, domesticidade e família, somados a um entusiasmo pela arquitetura medieval, os costumes e valores aristocráticos, expressando uma admiração por um mundo feudal que era ao mesmo tempo fonte de autocracia e barbarismo. Essa ambigüidade levou os romancistas à criação de vilões malignos, freqüentemente aristocratas ou clérigos, que personificavam essa relação dúbia e imprecisa. Os eventos que ocorrem nos romances góticos são comumente representados de maneira irônica. Essas demonstrações contra as iniqüidades das nações estrangeiras foram um clichê para o leitor inglês do século XVIII. Por esse ângulo, o romance gótico pode ser considerado um romance nacionalista, proclamando seu ufanismo através da noção de alteridade presente na história, a qual contrasta com a crença nas instituições inglesas e seus os valores civilizados.
A obsessão gótica com o clero católico e a aristocracia, enquanto depositários de maldade, representaria esse perigo que vem do exterior. Os romancistas ajudaram na criação de uma identidade nacional por meio de uma dicotomia que opunha uma multidão de leitores ingleses e os infames personagens católicos e continentais. “ ‘Your picture is complete’, said he, ‘and I cannot but admire the facility with which you have classed the monks together with banditti’ ”. (The Italian, p.50), palavras do padre Schedoni, suplantando o jovem herói Vivaldi na retórica e relativizando as certezas dos leitores. Somente os vilões góticos são capazes de cometer maldades tão grandes e ainda assim manter a majestade nas atitudes. Em Northanger Abbey (1818), Jane Austen destaca os limites dessas convenções criadas pelo romance gótico, reescrevendo-as ao seu modo idiossincrático. Ainda no auge da produção gótica, Austen expõe a estrutura desses romances satirizando seus aspectos estereotipados.22
O leitor geralmente escolhe os lados a partir da primeira descrição, ao ser feito cúmplice de um certo ponto de vista. Freqüentemente mais velho e mais experiente do que o herói e a heroína (como as nações românicas em relação à Grã-Bretanha) o vilão tem a compleição física descrita como escura, de pele morena e cabelos pretos, geralmente há algo de magnético ou perturbador nele. Chamar atenção para tais características seria uma maneira de propor contraste com o tipo claro inglês. Esse gancho inicial serve para introduzir uma afirmação nacional, na qual o narrador utilizará imagens e sutilezas lingüísticas objetivando criar uma afinidade com os leitores. A aparência do padre Ambrosio em The Monk (1796)23 exemplifica esse costume retórico:
He was a Man of noble port and commanding presence. His stature was lofty, and his features uncommonly handsome. His Nose was aquiline, his eyes large black and sparkling, and his dark brows almost joined together. His complexion was of a deep but clear Brown; Study and watching had entirely deprived his cheek of colour. Tranquillity reigned upon his smooth unwrinkled forehead; and Content, expressed upon every feature, seemed to announce the Man equally unacquainted with cares and crimes.
(The Monk, vol. I, capítulo I, pp. 8-9)
Ambrosio personifica o estereótipo físico do homem mediterrâneo e, ainda que nesse momento no romance ele seja jovem, toda a sua vileza irá se revelar. Sua respeitável pessoa pública contrasta com a intimidade depravada (a questão do duplo ou doppelgänger, notavelmente sintetizada em 1891, por Oscar Wilde, em The Picture of Dorian Gray). A corrupção do vilão, aliada à sua natureza arrebatada e obsessiva, propensa a acessos de fúria, é uma constante em quase todos os romances góticos. Apesar do autocontrole estudado dos antagonistas, eles são naturalmente agressivos e esse ardor incontrolável vai transparecer sob o verniz da aparência equilibrada, levando-os do “summit of exultation to the abyss of despondency” (The Romance of the Forest, p.317) - note-se a metáfora com a Natureza aqui. A inclinação dos vilões para a violência, a imoralidade e os maus-humores em geral dá suporte à idéia central na construção da “alteridade” como característica do gótico. O modo como esses romances debatem a alteridade e as diferenças é demonizando o outro. Mas ilustrar o “outro” de modo degenerado tem suas implicações. Supostamente, isso levaria os leitores a crerem na, ou ao menos a refletirem sobre a idéia de “retidão” moral e decência de princípios da nação inglesa, na qual, “virtude” seria um código para “civilização”. É por esse ângulo que os romances góticos contribuem para a construção de uma identidade nacional e institucional britânica. Em última instância, se dirigindo à questões de nacionalidade pela promoção de distinções raciais, culturais, religiosas e institucionais, os antagonistas cumprirão o seu papel. Como se espera, os vilões têm uma personalidade enganadora, a marca da sua esperteza. Seu comportamento e discurso se adequam à situação, o antagonista gótico lança mão de intimidações, truques e até elogios para alcançar seus objetivos. Impulsionado pela desonestidade, Schedoni adota um tom suave com a Marchesa di Vivaldi.
- To what do you allude, righteous father. enquired the astonished Marchesa; .what indignity, what impiety has my son to answer for? I entreat you will speak explicitly, that I may prove I can lose the mother in the strict severity of the judge.
- That is spoken with the grandeur of sentiment, which has always distinguished you, my daughter! Strong minds perceive that justice is the highest of the moral attributes, mercy is only the favourite of weak ones.
(The Italian, vol. I, capítulo X, p. 111)
A cena exemplificaria como Schedoni se apropria do jargão sentimental da heroína e o usa em seu próprio benefício. Sua destreza retórica induz a Marchesa a juntar-se a ele e apoiá-lo em seus planos. No nível da narrativa, a imitação do discurso ingênuo do herói e da heroína pelo vilão revela a habilidade da própria Radcliffe, que neste momento está expondo sua estrutura com uma pequena provocação, talvez demonstrando que atributos morais são antes uma pose que se adota do que sentimentos legítimos. No vilão, esse tipo de maldade, voltada para o interesse próprio, está largamente relacionada ao estudo da história da Serenissima Republica veneziana, então um exemplo típico de despotismo e oligarquia fora do Oriente.24 A “república” veneziana prosperou utilizando práticas baseadas na escravidão, na intermediação de finanças e no totalitarismo político. Em parte, os romancistas góticos ajudaram a construir esse leviatã, capitalizando suas histórias nas implementações estadistas que se originaram do mercantilismo veneziano. Textos como O Príncipe (1513), de Maquiavel, também contribuíram para essa estereotipização dos italianos, freqüentemente representados como pessoas obscuras e enganadoras. Shakespeare também utilizou o tema em Othello, the Moor of Venice (1601) e essa idéia permaneceu até, pelo menos, a releitura gótica de Schiller sobre o assunto em Der Geisterseher (1786-9), publicado em três partes durante três anos. Em 1792, Heinrich Zschokke criou um antagonista de vida dupla que era, paradoxalmente, aristocrata e mercenário. Abällino der grosse Bandit, é um conto do tipo gótico que foi traduzido do alemão para o inglês por Matthew Lewis, passando a se chamar The Bravo of Venice (1805). Essa história reafirma o papel de Veneza como um centro de corrupção política e de traição, mas também enfoca uma mudança notável na identidade típica do vilão. O personagem duplo Abellino/Flodoardo representa simultaneamente o lado escuro da nobreza e a sede por aventuras, ele é um caçador de fortunas e um empreendedor, de uma maneira burguesa.
Nesse sentido, o italiano funciona como um depositário de apreensões sociais, flutuando entre o aristocrata perverso e o burguês maléfico (ou ambos, como no caso de Zschokke), dependendo do ponto de vista do autor. Entretanto, como Fred Botting aponta, os vilões raramente são a causa da maldade por si só, pois o autêntico vício é identificado como um problema institucional,25 e não do indivíduo. O poder da ideologia política e cultural de Veneza alcançou a Idade Moderna, mesmo após a Serenissima ter se extinguido. Contraditoriamente, esse método veneziano tornou-se o mesmo adotado no projeto imperial da Grã-Bretanha, encapsulado no lema dividi et impera (divide e governa). No século XIX, o leão alado da Piazza di San Marco tornou-se o leão britânico, a serviço da rainha, presença sempre vigilante em inúmeros prédios públicos e outros edifícios espalhados por Londres.26
Olhos vigilantes foram um símbolo preferido desse comportamento autoritário, um atributo particularmente apropriado para lidar com temas relativos ao poder, à opressão e tirania. Olhos ameaçadores eram uma característica comum empregada na representação desses degenerados banditti que “seemed to penetrate, at a single glance, into the hearts of men, and to read their most secret thoughts; few persons could support their scrutiny, or even endure to meet them twice”. (The Italian, p. 35).
Nos romances góticos, é comum achar exemplos de intimidação na forma de olhos ou olhares temíveis. Ambrosio, em The Monk, exibe “a certain severity in his look and manner that inspired universal awe and few could sustain the glance of his eye at once fiery and penetrating” (p. 9). Melmoth possuía “a full-lighted blaze of those demon eyes” (Melmoth, the wanderer,1820, p. 12).27 O califa Vathek (Vathek, 1786)28 era uma figura agradável, mas quando enraivecido “one of his eyes became so terrible, that no person could bear to behold it” (p. 2). É curioso que Vathek pareça ter apenas um olho atemorizante, talvez parte do humor beckfordiano que ri da natureza ciclópica de governos totalizadores e autoritários. Adiante ele comenta sobre as pretensões intelectuais do califa e o tratamento que dava ao sábios: “He was fond of engaging in disputes with the learned, but did not allow them to push their opposition with warmth. He stopped with presents the mouths of those whose mouths could be stopped; whilst others, whom his liberaty was unable to subdue, he sent to prison to cool their blood; a remedy that often succeeded” (p. 3).
Como foi mencionado, os personagens góticos em geral não são psicologicamente desenvolvidos ou aprofundados, a grande maioria permanece imutável em suas resoluções durante toda a história. Seus pensamentos raramente são desvelados e suas vozes são ouvidas apenas em diálogos. Em parte pelo uso da terceira pessoa, em detrimento da primeira, que torna a leitura uma experiência menos dramática. Apesar das incursões subjetivas não serem levadas adiante, talvez os vilões possam ser considerados os únicos personagens que passam por um conflito interno. As pobres deliberações psicológicas (um retrocesso em relação a Lovelace) tornam-se mais evidentes durante a punição dos vilões, quando suas personalidades oscilam entre o pecado e a absolvição. Infelizmente, toda a audácia que os vilões demonstraram ao longo o romance acaba invariavelmente subjugada. É a minha opinião que algumas das excelentes construções dos vilões góticos é prejudicada pelo arrependimento de teor puritano na exoneração final.
Apesar de conseguir envenenar seu rival, um fraco e moribundo Schedoni termina sua participação como um vilão dobrado pelo arrependimento. Destronado, Manfredo (The Castle of Otranto, 1764) também se arrepende de sua vileza e se retira para uma vida de reclusão. O califa Vathek culpa sua mãe por ter insuflado a ambição desmedida em seu coração, mas seu arrependimento chega tarde, pois seu coração arderá para sempre no inferno de Giaour. O padre Ambrosio, que vendeu sua alma ao capeta, também se acovarda diante do fim e pede pela clemência divina. O demônio, enfurecido com seu tom choroso, leva-o para um vôo vertiginoso e joga-o das alturas. Em agonia, ele é deixado para à morte, por sete dias, empestado por moscas e aves carniceiras, até que uma tromba d’água finalmente leva seu corpo embora. Confissões públicas, revisões de consciência e arrependimentos finais distorcem a construção das histórias empurrando-as para desfechos moralizantes. A fim de restabelecer o equilíbrio no tecido social, para o gótico clássico inglês não basta apenas punir a maldade, mas é necessário que haja uma demonstração penitente, antes que se encerre a participação do antagonista, no intuito de assegurar as condições éticas no final. O arrependimento do vilão, seguido da declaração de mea culpa, prevalece nesses romances, apesar das pequenas variações em relação à maneira na qual o arrependimento acontece.
Enquanto reação contra o poder internacional representado pela Igreja Católica, o arrependimento do vilão reafirma os princípios políticos, sociais e religiosos seguidos pelos britânicos; ratificando a idéia de construção nacional através da oposição de valores e de culturas. Essas acomodações narrativas, por vezes apressadas e desajeitadas, parecem refletir as soluções políticas adotadas na Grã-Bretanha daquele período, as quais afirmaram e equilibraram os interesses monetários e os interesses fundiários, assegurando-lhes maneiras de se manter no poder.29

Invisible Cities: labyrinths of reality (Daniel Serravalle de Sá, 2006)


“It is the desperate moment when we discover that this empire, which had seemed to us the sum of all wonders, is an endless formless ruin.”

Italo Calvino

In Invisible Cities (1972), Italo Calvino seems to contrast a rigid outline structure with a flexible textual content. The tension comprised by the numerical structure proposed in the index; stand out against the set of fluid texts which make up the subject matter of the book. The opposition between form and content seems to point to a fruitful dichotomy in the conception of the novel, linking to the aesthetics and the theories of the open work. This essay will try to investigate the structural construction of Invisible Cities by looking at its index, seeking to discuss some models of formalistic representation proposed by the criticism and the specific contribution they may, or may not, provide. Aiming to uncover possible meanings which may arise from the debate, this text will question to what extent structural complexities can be considered literary if they are not ultimately related to the culture in which a text is found.

The uses of the index as reading possibilities

By checking the index, the reader will detect a total of nine chapters in the book. A more detailed inspection will reveal an interesting progression of titles and numbers. The observer will notice this succession follows an orderly sequence and a keener eye will spot the use of a substitution principle. The criterion employed by the author is surely no random coincidence; on the contrary, it is indicative of a method applied in the formal organization of the book. Whether the reader chooses to explore it by examining the texts under the topics proposed (e.g. Cities & Desire, Cities & the Dead, etc.), or by analysing all the narratives which fall under a specific number on the index (according to the sequence 54321); Calvino’s Invisible Cities seems to unlock its texts to a range of possible ways of reading.

Although the book has the potential to be read in many directions, the concepts of what is known as “linear” reading is not completely discarded. This means that Calvino does not trespass all the fixed rules of narration and the realistic conventions; the encounter between Marco Polo and Kublai Khan persists as a solid foot in the historical realm. At the same time he conforms to a chronological past, Calvino also invests in the potential of the words, exploring the world through projections “in negative” and inverted mirrors-images. Building alternative realities, balancing the real and the fantastic, his art of narration constitutes a magic world of kaleidoscopic visions. Invisible Cities has often been compared to a hypertext, because it works in a connective style and may be approached like links on a web page. Having Umberto Eco’s book on the poetics of the open work as a stepping stone, Teresa de Laurentis refers to the “project” of the contemporary art work as being the use of “techniques of discontinuity and indetermination for the purpose of generating open series of performances or interpretations by the reader/listener/viewer”1.

The entrances to the book are many, as its’ fascicular disposition allows the blocks to be atomised without loss for its entirety. The index certainly provides a good way in, leading the reader to any combination of chapters and freely connecting within the work. But Invisible cities could not truly be called a hypertext if it did not also made way to extra-textual universes. The novel links to the work of other writers such as Borges, Cortázar, Pávitch, who also created literary games pending towards the multiplicity of realities, or a multi-linear2 text, intending to create new ways of expression. Calvino’s apology to the novel as a network in Invisible Cities seems to have been textually captured in the cities of Octavia, the spider-web city hanging over an abyss awaiting for its destruction; and in the city of Ersilia3, a ghost-town where all is left are strings indicating the connections among the people who once dwelled there. Ersilia is “a spider-web of intricate relationships seeking a form”.

In essence, Calvino’s procedure consists in using a “framework” to bring together the short narratives which form the book, giving a sense of closure. At the same time the disposition of index corroborates to recombine the texts, and multiply the interpretations; it also restrains the digressions, giving the texts limits and a sense of a unified, closed system. Calvino’s structural approach to the composition of Invisible Cities is an aspect often pointed out by the specialized criticism; it also constitutes an important characteristic of his other works. His interest in literary texts, which are somehow subject to a mathematical order, derives primarily from his associations with OULIPO group (Ouvroir de Littérature Potentielle), the influence of the structuralist theories of Vladimir Propp, and the early works of Roland Barthes.

Calvino became interested in experiments which dealt with narrative technique, structure and linguistics due to his involvement with Raymond Queneau and Georges Perec, who were members of OULIPO, a group which applied the principles of mathematics and science toward the generation of a new literature. Calvino translated the experimental work of Queneau, Les Fleurs Bleues, to Italian, becoming, I Fiori Blu (1967)4. This association played an important part in his formation as a writer, and although he seems to diverge from it later in life, it certainly remains an influence for all his posterior output. Earlier in the 1960s the studies of Vladimir Propp, on the morphology of Russian folktale, were starting to become known among European and American scholars. Propp’s analysis of the structure of the folklore genre, revealing common basic traces among them, had a great impact on several areas of study, making way for the development of news investigations in areas such as Anthropology, Linguistics, and Literary Theory. According to MacLaughlin5, Calvino’s own interest in Italian folktales had also alerted him to similarities in the structure of all stories, making the author realise the important part structure had in the construction of texts.

The author Allain Robbe-Grillet and the critic Roland Barthes, in their respective works with the noveau roman and Le Degré Zéro de l'écriture (1953), advocated a fresh literary aesthetics, pursuing a fiction that did not breast-feed the readers (writing based on verisimilitude and omniscient narration), but provided only the observable elements from which the experienced readers could draw their owns interpretations. Calvino was also interested in the studies of Ferdinand Saussure, whose science of Semiology, or the language of signs, had an impact on his 60’s texts. According to Markey6, the author was later on influenced by Jacques Derrida’s poststructuralism theories and its sceptical critique of language as holder of the ultimate truth.

Although the origins of his affinities with scientific models are well documented; critics have been divided over the significance of mixing the preciseness of mathematics with the imaginary spirit of literature. The explanations about the significance of Calvino’s craft are frequently contradictory. Angela M. Jeannet claims that “through the intricate pattern of numbers, words, lines, and blank spaces Calvino is hunting for the food that feeds another human hunger, the need to make sense of the world”7. Jeannet defends the presence of a methodical structure set up in the index as the writer’s attempt to support, interpret and explain what is visible in human _expression. In other words, the mathematically constricted text would be a celebration of the signs, symbols, and logic devised by humanity to read the world.

Kathryn Humes refutes this explanation, coming up with a different reason to explain why Calvino employs such artifice. She believes the pattern to be clearly arbitrary, as it, at first, offers an “exceptionally orderly world”, but the “seriality embodies no values of beauty or taste; it is post-humanist and denies the network of cause and effect upon which our normal sense of order depends”8. Hume claims the division/units proposed in the index are just generic names and numbers, evidently interchangeable among each other and without a sense of purpose. “The overt orderliness is deceptive”, she states. Alternatively, she proposes the cities themselves as the bottom line of Calvino’s system, claiming the existence of “minimal units” within the text, which correspond to the appearance of repeated ideas or images throughout the book. Quoting Baker, she reinforces her incredulity about the form being an attempt at miming the reality of human _expression and communication. She concludes with Baker’s words: “the precision of structure set down in the index is itself a concise comment on the contradictory nature of any attempt to give meaning to the labyrinth of reality”9.

20060110

Gothic Conventions (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

There is a relative consistency of conventions that make the gothic novel recognisable as a distinct genre. The gothic novel is a hybrid manifestation, a link between novel and romance, in which an atmosphere of mystery, thrill and terror pevails. This pre-Romantic, pseudo-medieval type of fiction was intensely produced and avidly consumed from late 18th century to early 19th century. By taking its inspiration from medieval constructions and exploring a darker side of Nature, these novels put in doubt the certainties of Cartesian thought. Investing in a more gloomy disposition to overcome the sentimental/rational discourse, gothic novels presented a literary problem which challenged the project of Enlightment.

In opposition to neoclassical philosophy, these novelists invested in obscure images and symbolic representations such as: disintegrating abbeys where malevolent priests dwell, sinister castles inhabited by tyrannical aristocrats, people moving through secret passages and hiding behind concealed doors, dark forests where bandits stalk, sublime sights of vast wilderness where persecuted heroines fear the worst.

Fantastic literature[1] in its origins can be traced back to the popular and oral tradition, stemming from myths, legends and folklore, these narratives set foot in the 18th century by means of a literature of the irrational and the terror. In its European forms the fantastic novel seems to stem from a French branch, represented by Jacques Cazotte's Le Diable Amoreaux (1772), and an earlier English branch started by Horace Walpole and The Castle of Otranto, a gothick story (1764-5). This last novel is considered to be the founder of the branch we intent to apprehend for discussion. [2]

Semantically the term "gothic" needs some attention, as it meanings will vary depending on the context it is brought up. Initially, the adjective referred simply to the tribes that lived near the Danube and which helped to overthrow the Roman Empire. But at the same time it also meant anything that denoted medieval or post-roman. In that sense, keeping these two ideas in mind, the word “gothic” begun to be constructed in the decades following the Glorious Revolution (1688), coming into being as a controversial category.

It was an attempt by the English to distinguish themselves from a Greco-roman culture, designating an idealised democratic and freedom-loving British heritage, basing these suppositions on a historical registry which could be found in the Gothic architecture.[3] Despite this more positive interpretation, gothic also stood for antiquate, barbarous, feudal, irrational, chaotic, non-civilised. In short, the opposite of “Classical”. These two meanings were object of dispute, signalising conflicting political stands, that only found a clearer formulation much later, summarised in conflicting positions.

Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France (1790), used the metaphor of a ruined gothic castle in support of the English heritage and monarchy.[4] His point of view was connected to an aristocratic or conservative part of the society. Defending long-standing, ancient relations within the social fabric, he expressed a rejection of the revolutionary upraises in France. On the other hand radicals as Thomas Paine, William Godwin, Mary Wollstonecraft, defended a gothic associated to a despotic government, arbitrary power and aristocratic hereditary privileges. For them it represented worn out ideals that could no longer exist in the new world that was being formed. This approach was related to the Whig party, the middle class and the row of society who shared a progressive opinion. The political tension and duplicity these ideas raised reflected in literary grounds.

From the aesthetics perspective contesting the supremacy of neo-classic ideals, exploring sensorial aspects of human sensibility that were placed aside by the Enlightment, started to make way for a new “structure of sentiment”, in the expression of Raymond Williams. Letters on Chivalry and Romance (1760), by Richard Hurd, made apology to a re-appropriation of the past defending the rescue of links related to an old British legacy, the ballads, English medieval poetry, Spencer, Shakespeare and the Elizabethans. It was a reaction against the dominant Augustan principles, translated in the literary plan by Essay on Criticism (1711) by Alexander Pope, who defended a poetry based on control, reserve and reason. Also the graveyard poets, a marginal manifestation which took place around the 1740s decade, contested rationalism and the equilibrium upheld by the Illuminists, producing a poetry of defiance and divine inspiration, bringing into play the themes and settings which would become very dear to the gothic novels: death, graves, the night, fear. (Even though these elements were not a breakthrough to British literature and can be traced back to Shakespeare and further back to the popular imaginary)

A third element came to add to those renewed interest for things of the past, and to the admiration of that kind of melancholic poetry. The theory of the sublime traces back to a text frequently (but apparently wrongly) attributed to Longinus. In A Philosophical Enquiry into the Origins of Our Ideas of the Sublime and the Beautiful (1757), Edmund Burke provided a theory for the gothic machinery drew an aesthetic reading. The treatise which provided the foundation to establish relation between literature and terror, proposing an aesthetics constituted of vastness, obscurity, magnificence, ignoring technical perfection and the organic structure of neoclassic poetry and counteracting with the ideals of balance, harmony and rationality. Burke states that most of the ideas which are capable of making a strong impression on the mind may be reduced nearly to two heads: self-preservation and society. To the ends of one or the other, all our passions are calculated to respond. The passions that regard the preservation of the individual turn chiefly on pain and danger, and they are the most powerful of the passions. You could extract pleasure from experiencing a menacing situation from a distance. According to Burke it is possible to extract delight from terror.

These ideas, which were already present in his treatise, became clearer in his later discussion on the revolution. This nostalgia about the past and the lament for the end of the chivalric age constituted indexes of an idealization of a medieval era as an “organic” world in detriment of a modern bourgeoisie society.

As a reaction against the Humanistic beliefs and its narratives of progress, promoting changes by means of rational revolutions, gothic emerges to disturb the calm waters of realism, bringing about the fears that surrounded the upcoming bourgeois society. From the margins of a Enlightment culture, dramatising conflicts and uncertainties in face of a fast-changing social and economical world, gothic became the vehicle to address aesthetics and political questions raised by the 1789 issues in France. The English re-interpreted the ghost of the 1688 revolution through the French Revolution, displacing their anxieties to far countries and past times, making predominantly Italy, but also France and Spain, a scenery of horror stories.

The development of capitalism, in this period of internal realignment and external revolutions, would explain the success of this fiction which questions the constitution of “real”, making way for a blend of fear and attraction, anxiety and desire, which seems to have characterised the relations between bourgeoisie and aristocracy.[5] The gothic novel exposes its ambivalences, the intention of consolidating burgeoise values, like, domesticity, sentiment, virtue, family; side by side with a fascination for medieval architecture, customs and values. Expressing admiration for a feudal world which was at the same time a source of tyranny, barbarism, autocracy, this disapproval was projected in the creation of aristocratic or religious cruel and malevolent villains.

It was Sir Horace Walpole who first gave shape to a regicide narrative, a hybrid between old and modern, novel and romance, bringing about monstrous helmets, invisible hands, labyrinth-like dungeons, ghastly pictures, giant swords and all the paraphernalia which would make the success of the genre.[6] He coined the use of the word in literature by naming his narrative The Castle of Otranto, subtitle: a gothick story. A man of many interests among other things Walpole was a MP, occupation which at that point meant to be implied in the birth of capitalism, a stranger paternity which he seems to have abdicated later in life by retiring into his medieval world to his replica castle Strawberry Hill.

Thinking the gothic as a manifestation affiliated to the Romance tradition (or vice-versa), some system of codes (representation of time and place) and methods of composition (structuring and development) are shared between the two. The key elements of both traditions, which will be developed later, can already be found in Walpole’s five meagre chapters: a story set in past ages (often medieval) and in far away countries (usually Italy, Spain or France), stemming from the translation of a remote document or manuscript, the presence of vast and confined spaces, a narrative which progresses on an endless sequence of amazing circumstances, involving the heroine in breathtaking perils, lots of travelling around the country and the presence of a vicious villain. From this concise story, of simultaneous re-affirmation, in that sense paradoxical of aristocratic and individual values, the gothic romance would emerge as a hybrid form that blends idealised medieval proprieties with late 1800s manners and concerns.

His merit also consists of conscientiously mixing romance and novel, initiating what would be known as gothic fiction, but the story was considered far too incredible by his successors, and for that reason later authors chose to reform his unsophisticated dream-like tale. Clara Reeves’ The Old English Baron (1777) brought the novel back home and invested in a less extravagant, more down-to-earth romantic and melodramatic form. Other writers like Charlotte Smith and Sophia Lee, also pursued a more ‘domestic’ kind of writing, where the represented situations were far more probable and the supernatural circumstances were due to imaginary fears. But they also used heroines set in the Middle Ages or Renaissance, and represented the past in terms of a rational and moral present.

Interest in the Orient and in the depiction of “otherness” became popular in Europe with the translation of Les Mille et une Nuits early in the 1700, followed by Montesquieu’s Persian Letters (1721), Voltaire’s Zadig (1747) and the exotic American adventures Candide (1759). Attracted by the extravagant, stereotyped side of the Orient, William Beckford invested in a luxuriant portray of a despot to create his infernal narrative of the caliph, Vathek (1786), using the same gothic discourse to encode the foreign/aristocrat as corrupt and threatening.

A more established/consolidated gothic fiction came out with the publication of The Mysteries of Udolpho (1794) and The Italian (1797). It is generally accepted/considered that Ann Radcliffe’s writings stands for the zenith of a “canonised” gothic production. She certainly represents the heyday of a commercial gothic. “The great enchantress” had a prodigious imagination, she was acquainted with the works of those previous novelists who also developed the cult of suspense, and those who invested in sentimental stories, “persecuted innocence” and character, like Richardson and his infamous Lovelace. She masterfully used the Burkean thesis of sublime to achieve thrilling effects in her works.[7] In short, she kept the fire of gothic burning much more steadily than the candles in her novels, always blown out by a cold draft in a moment of excited apprehension, while sneaking in the damp corridors of haunted abbeys.

Her work influenced a subsequent generation of illustrious writers, namely Sir Walter Scott, Lord Byron, Charles Maturin and Charlotte Brontë. Quite conservative in her views, Radcliffe was not a writer who aimed at questioning the established order, and by the end of her romances she would have conveyed a message of bourgeois moral, naturalistic values and domesticity, according to the 18th century historical understanding. In between her two successful romances Matthew Lewis published The Monk (1796), which dialogued with her “explained supernatural” narrative solutions and as a result helped to consolidate the “core” of genre. Mathews trend of gothic fiction was based on the German type of novel, Schauerroman (horror-romance), introducing blunt terror and heavy handed violence to contrast with the subtle thrills of the Radcliffean mode. Still in the heat of the moment the Marquis de Sade, wrote his famous preface Les Ideés sur les Romans (1800), stating his preference for Lewis’ work and marking the tradition of linking the gothic romance to the French revolution.[8]

Jane Austin’s Northanger Abbey (1818) operates within the limits set by Radcliffe’s stories, parodying and exposing her structures. She satirizes the absurd fantasies of gothic romances and its taste for a imaginary universe in detriment of a realistic perspective. On the other hand, the book insinuates the contagious force of fiction in real life, manifested in the vicissitudes of Catherine Morland who surrounds herself with the, sceneries, moods, symbols, plots and all the conventions that make the gothic novel recognisable as such. Charles Maturin’s Melmoth, the wanderer (1820) is considered to be the last breath of this gothic era. Further landmarks of this “Gothic body” are Frankenstein (1818) and Dracula (1897) which exploited a more scientific and modern fear, involving the new gadgets and technology, like telegraphs and typewriters.

The decade of l790s was the gothic novel’s peak, it had become a vogue and an obsession among admires who could not seem to read enough of this genre. It had also developed into a very profitable business for booksellers and professional writers, who were kept constantly busy trying to meet the public demand and providing for the circulating libraries. This frenzy for gothic fiction occasioned an enormous production, most of it directed to boost sales with very little preoccupation for literary innovation. The popularity of Ann Radcliffe’s novels was attested by the many imitators of her work, who would change a few words in the title and come out with pearls like: The mysteries of the forest, the Monk of Udolpho, Italian Mysteries, or even pseudonyms as little original as Mary Ann Radcliffe.

The gothic novel was the space to discuss political questions, though, placing these anxieties in other countries and time. It embraced the liberal values of sentimentalism, virtue and family mingled with an aristocratic past; however, marked by refutation of tyranny, mishandling of power. In that sense, Gothic can be read as a reaction against industrialization and scientific revolution. However short lived, circumscribed by the temporal boundaries 1764-1820, the gothic phenomenon delineated a response to a mutating society in a specific period of time. In trying to conciliate these social disputes, the genre adopted the figure of a chivalric hero, a romantic knight who behaved according to the bourgeoisie values. His antagonist was the gothic villain, the embodiment of evil itself, representing the dark side of nobility and of the religious institutions. Many reasons are appointed for the decline of the genre as such, including misevaluation on the narrative’s complexity, making plots too intricate and confusing, along with an overexploitation of the genre by the increasing culture of consumerism.

[1] Tzvetan Todorov says that “fantastic” relates to a literary genre that raises ambiguities between reality and dream, that is, proposing a insoluble doubt in the nature of the events narrated, allowing both a rational explanation, or another one which presupposes the existence of the supernatural: “Le fantastique mène donc une vie pleine de dangers, et peut s’évanouir à tout instant”.

[2]
The French story, Le Diable Amoreux, will inspire Hoffman, Nerval, the onirical fantastic writers, from Nodier to Kafka. While from The Castle of Otranto will derive the literature of Ann Radcliffe, Charles Maturin, Bram Stoker, the gothic literature in the 19th century, as well as detectives stories and contemporary thrillers.


[3] The structural innovation promoted by gothic buildings constituted a technical advancement in relation to the Romanic form, bringing and end to dim churches. Liberating the wall for the penetration of light, high and sharp towers, broken arches are some of its distinctive features. This new conception, later denominated gothic, is attributed to the French abbot Suger (1081-1151), a Benedict monk from the church of St. Denis near Paris, who was searching for epiphany, or sublime elevation by painting coloured glasses and coloured afrescos.

[4] He believed that French monarchy was one of the best in Europe and its mistake was not to make concessions to the uprising bourgeoisie.

[5] Stefan Andriopoulos associates Adam‘s Smith's The Wealth of Nations (1776) to the gothic novel using the invisible hand as metaphor of intervening power. See: ANDRIOPOULOS, S. “The Invisible Hand: Supernatural Agency in Political Economy and the Gothic Novel,” ELH 66 (1999): 739-58. IN: http://www.lib.sfu.ca/researchhelp/subjectguides/pol/classes/poli033356.htm

[6] Victor Sage points to a discrepancy in The Castle of Otranto between the highly emotional subject matter and the dry, rational language employed by the narrative voice. SAGE, V. “The Gothic Novel”. IN: MULVEY-ROBERTS, Marie (ed.). The Handbook to Gothic Literature. New York: New York University Press, 1998. (p.82)

[7] She delighted in descriptions of scenery, usually drawn entirely from her inner consciousness but many painters receive mention in the novels of Ann Radcliffe. One of her references was Salvator Rosa, a 17th century Italian landscape painter, who created dramatic landscapes peopled with peasants and banditti. Like Ann Radcliffe, he intended to create a feeling of awe and sublime in the minds of his audience. The landscapes of another Italian artist, Giambattista Piranesi, also influenced many English Gothic writers, especially with his powerful black and white figurative engravings of Roman ruins, spectacular landscapes where banditti would lurk in ambush and his Carcieri fascinated the English mind.

[8] Sade preferred the philosophical debate to the aesthetics creation. From the point of view of debating with Illuminist, questioning the existence of God and the morals of sentiment, Radcliff’s naturalistic stories worked mere cautionary tales.

A Natureza em O Guarani: a casa interpreta a floresta (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

A abordagem alencariana em relação à Natureza segue uma tradição tornada popular no Brasil pelos viajantes alemães Spix and Martius, no século XVIII, que entendiam a Natureza como fonte de emoções. Uma geração antes de Alencar, os críticos franceses Ferdinand Denis, Théodore Taunay and Édouard Corbière trouxeram ao país as idéias de Montaigne, Rousseau e Chateaubriand sobre a relevância dos povos autóctones.[1] Nesse sentido, O Guarani não produz inovações filosóficas, sendo uma variante do modelo estabelecido pelo bon sauvage.

Concentrado na tarefa de exaltar os elementos naturais, o autor freqüentemente investe em narrações que envolvem grandes ângulos descritivos, fazendo desse tipo de abordagem um estilo. A cena na abertura do romance é introduzida por meio de uma perspectiva “elevada”, como quem vê a cena de cima e em seguida desce, acompanhando a trajetória do rio da foz à nascente, em seu salto para o passado. A imagem da montanha também aparece na passagem, sendo usada por Alencar para reforçar a idéia de “amplidão”. O planalto sobre o qual se situa a casa não é escolhido por acaso. Do ponto de vista autoral, a visão a partir do solar, “lançando um olhar sobranceiro pelos vastos horizontes que se abriam em torno” (p.58), permite avaliar a beleza natural da cena de um ponto de vista privilegiado. Tal abordagem almeja falar sobre liberdade e independência. A idéia combina com os ideais românticos do século XIX, nos quais se entendia que ao tecer louvores à terra nativa se abrangeria a grandeza da nação. Visto que o mérito de um povo dependia da competência do artista em reafirmar as “cores locais”, se tornava necessário imbuir das mais arrebatadoras imagens ao se descrever a Natureza. Buscando um estilo que pudesse dar vazão às suas aspirações épicas, Alencar investiu no discurso do “sublime” e em figuras de linguagem, especialmente hipérboles, com intuito de magnificar os elementos naturais. Nesse aspecto em específico, sua linguagem poética se aproxima daquela de Ann Radcliffe. A fim de expressar suas capacidades estilísticas, Alencar emprega técnicas que aprendeu nas suas leituras dos romances góticos.[2] Ele produz uma narrativa que alterna conflito e relaxamento, revezando entre sensações e efeitos, visando à excitação do leitor. Os nomes e temas dos capítulos (Vilania/Nobreza, Desânimo/Esperança, Trégua/Peleja, etc.) demonstram esse uso de tensões para criar clímax, contrastando o sublime e o pitoresco na Natureza, propondo ocorrências sobrenaturais e as explicando em seguida. Ainda, como reminiscência de um gótico radcliffeano, uma função recorrente da Natureza em O Guarani são as cenas que antecipam ações futuras. A passagem abaixo descreve uma tempestade torrencial que preconiza a transformação do frei Angelo di Lucca no seu alter-ego Loredano.

Estava quase a anoitecer.
Uma tempestade seca, terrível e medonha, como as há freqüentemente nas fraldas da serrania, desabava sobre a terra. O vento mugindo açoitava as grossas árvores que vergavam os troncos seculares; o trovão ribombava no bojo das grossas nuvens desgarradas pelo céu; o relâmpago amiudava com tanta velocidade, que as florestas, os montes, toda a natureza nadava num oceano de fogo. [...] apoiado sobre a outra coluna, estava um frade carmelita, que acompanhava com um sorriso de satisfação íntima o progresso da borrasca; animava-lhe o rosto belo e de traços acentuados um raio de inteligência e uma expressão de energia que revelava o seu caráter.
Ao ver esse homem sorrindo à tempestade e afrontando com o olhar a luz do relâmpago, conhecia-se que sua alma tinha a força de resolução e a vontade indomável capaz de querer o impossível. E de lutar contra o céu e a terra para obtê-lo.
(O Guarani, parte II, capítulo I, p. 174)

Apesar de estar comprometido com o projeto de criação de uma literatura nacional, naquele momento, as idéias de Alencar ainda parecem muito influenciadas pelos modelos europeus. Porque a Natureza personificava o elemento de diferenciação nacional na literatura, entendia-se que ela deveria aparecer no romance cheia de significações e simbologias. Soma-se a isso o fato de que as riquezas da paisagem tropical ofereceriam o ambiente ideal para a manifestação desse espírito. Entretanto, apesar do vigor, da exuberância e da sensualidade manifesta na representação da natureza tropical, aspectos acertadamente comentados por Gilberto Freyre[3], Alencar não sucede em criar uma descrição completamente inovadora. Sua floresta é povoada por animais “fantásticos” e plantas “exóticas”. A Natureza no Guarani é observada da perspectiva de quem vê o país de fora. A vista do solar, situado no ponto mais elevado da região, pode sugerir a beleza da amplitude, propondo uma integração entre o civilizado e o natural. Entretanto, o que realmente se estabelece é uma relação hierárquica indicada pela diferença de altura entre as partes. A posição elevada da casa ofusca a Natureza à sua volta, e a associação íntima entre homem e Natureza não resiste a um exame mais severo, explico-me abaixo. Observando a cena por outro ângulo, a escada “feita metade pela natureza e metade pela arte” (p. 52) é utilizada para confirmar a capacidade do colonizador em transformar a paisagem. A proposta de comunhão no interior da casa é novamente decepcionante. Enquanto os objetos da metrópole são apresentados como finos, seja pela procedência artística ou por seu caráter de manufaturado, os produtos nativos são apenas matéria-prima, tratados como uma “coleção de curiosidades [...] de cores mimosas e formas esquisitas” (p. 55). Não obstante, esse tipo de linguagem exótica seria aceitável dentro da casa, que é o espaço do colonizador por definição. O problema começa quando a linguagem se espalha para a Natureza em volta.

A floresta abaixo da casa é descrita como “cúpula de verdura” (p. 66) ou “arcarias de verdura e dos capitéis formados pelos leques das palmeiras” (p. 51) e “profundas e sombrias abóbadas de verdura [...] ao qual serviam de colunas os troncos seculares de acaris e araribás” (p. 66). As árvores invocam características de estruturas arquitetônicas, aquelas encontradas primordialmente em castelos e igrejas. O planalto sobre o qual a casa se situa é comparado a um “altar da natureza” (p.58). Outras referências introduzem as construções e convicções religiosas no ambiente da floresta “a luz, coando entre a espessa folhagem, se descompunha inteiramente; nem uma réstia de sol penetrava nesse templo da criação” (p. 66). Os rios também assumem referências feudais, sendo chamados de “vassalo e tributário” (p. 51). Nas escolhas lexicais, a Natureza se torna portadora de ideologias, descrevendo aquilo que é nativo nos termos do civilizado. Evidencia-se um ecossistema modificado, no qual a casa se torna a voz definidora da paisagem, interpretando e classificando a floresta de acordo com os seus padrões. Nesse sentido, a casa lê a floresta, apresentando-a como fonte de matéria-prima, e reservando para si o papel de agente transformador, hierarquicamente acima numa escala de valores.

Poderia haver uma má interpretação do projeto que Alencar estabeleceu para si próprio? Não, creio que o quadro é mais complexo do que isso. Ao deslocar tal repertório de termos discursivos para dentro da paisagem brasileira, o autor não pretende se submeter à matriz européia (tampouco pretende esconder suas influências). Ao contrário, as referências textuais constituem um estratagema para citar a tradição estrangeira. Sua manipulação desses elementos é consciente, até certo ponto. Alencar parece dizer: se eles (europeus) têm castelos, nós (brasileiros) temos árvores fortes e ancestrais, se eles possuem templos, nosso santuário é a floresta, se eles têm cavaleiros em armaduras brilhantes, temos índios habilidosos adornados com lindas penas. Seu pensar é consistente e perfeitamente lógico com a tradição rousseauniana, a qual coloca a Natureza acima da sociedade. Entretanto, a comparação é ingênua na maneira como utiliza a medida estrangeira. Ao invés de mensurar o valor nativo contra os castelos e abadias, Alencar poderia ter perseguido uma ruptura estética mais significativa. Talvez, o que falta na fatura do romance seria a invenção de um modelo verdadeiramente original, ao invés de criar um romance brasileiro com os elementos da herança cultural européia.

Limitado por seu tempo histórico e pela sociedade em que viveu, poderia Alencar ter feito isso? Em caso afirmativo, teria sacrificado a consolidação do Guarani, o qual é parte de um projeto mais amplo para o romance brasileiro, que é posteriormente explicado no prefácio A Benção Paterna (1872), em detrimento de um experimentalismo ficcional sem utilidade. Se a Inglaterra já havia estabelecido uma identidade nacional confortável para si, no Brasil a época ainda era a de construir mitos nacionais. Alguns dos parâmetros de nacionalidade criados por Alencar, sejam temáticos, como a questão indígena e a mestiçagem, ou formais, como a questão da inovação pela linguagem, foram retomados e redefinidos, por exemplo, em Macunaíma (1928) de Mario de Andrade. Não esgotado pelos modernistas, o debate sobre a identidade brasileira perdura até hoje. O que pode se afirmar sobre Alencar aqui, é que a sua compreensão da nacionalidade, a qual funcionava a partir da dicotomia simplista e romântica nacional/estrangeiro, levou-o a ponto de destruir a casa portuguesa, representando o imperialismo, e com isso, quem sabe estivesse antecipando a possibilidade da república. Não obstante, O Guarani promove avanços sem precedentes, seja no Brasil ou na Europa, mostrando como Alencar estava à frente do seu tempo. Ele introduz o conceito de uma nação multicultural através da celebração da mistura de etnias (ainda que não sem contradições), que é uma característica essencial da sociedade brasileira e, fazendo isso, rejeita a demonização gótica das suas imagens centrais, como veremos a seguir.

[1] Antonio Candido. A Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos). 7a. edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1993 (pp. 260-3).

[2] A pesquisa de Sandra Vasconcelos sobre os romances ingleses que circularam no Brasil no século XIX fornece uma longa lista de autores góticos, inclusive Beckford, Godwin, Lewis (e a sua tradução de Zschokke) e Radcliffe. IN: Sandra G. T. Vasconcelos. Romances Ingleses em Circulação no Brasil durante o séc. XIX. Site da UNICAMP. http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandralev.htm

[3] Gilberto Freyre. Reinterpretando José de Alencar. MEC, Cadernos de Cultura, s.d.

Loredano: um vilão gótico nos trópicos (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

Loredano estava suspenso sobre o abismo pela sua mão; poderia salvá-lo ou precipitá-lo no despenhadeiro; e contudo dessa posição ainda ele impunha respeito ao aventureiro.
Rui tinha medo: não compreendia o motivo desse terror irresistível; mas o sentia como uma obsessão e um pesadelo.
No entanto a imagem da riqueza esplêndida, brilhante, radiando galas e luzimentos, passava diante dos seus olhos e o deslumbrava; um pouco de coragem e seria o único senhor do tesouro fabuloso, cujo era o italiano depositário do segredo.
Mas coragem é o que lhe faltava; por duas ou três vezes o aventureiro teve um ímpeto de suspender-se ao frechal e deixar a tábua rolar no abismo; não passou de um desejo.
Venceu afinal a tentação.
Teve um momento de desvario: os joelhos acurvaram-se; a tábua sofreu uma oscilação tão forte, que Rui admirou-se de como o italiano tinha podido suster.
Então o medo desapareceu; foi substituído por uma espécie de raiva e frenesi que se apoderou do aventureiro; o primeiro esforço lhe dera a ousadia, como a vista do sangue excita a fera.
Um segundo abalo mais forte agitou a tábua, que oscilou à borda do rochedo; porém não se ouviu o baque de um corpo; não se ouviu mais que o choque da madeira sobre a pedra. Rui, desesperado, ia soltar a prancha, quando chegou-lhe ao ouvido, abafada e sumida, a voz do italiano, que se percebia no silêncio profundo da noite.
- Estais cansado, Rui?... podeis tirar a tábua; não preciso mais dela.
O aventureiro ficou espavorido; decididamente esse homem era um espírito infernal que planava sobre o abismo e escarnecia do perigo; um ente superior a quem a morte não podia tocar.

(O Guarani, parte III, capítulo III, p. 312-3)


Apesar das tentativas de Rui de fazê-lo cair, Loredano caminha sobre o abismo, sugerindo o domínio de poderes infernais. Seu feito não apenas desafia as leis da probabilidade, mas reclama controle sobre o abismo, o símbolo da destruição. Esse instante, que se coloca além da compreensão, é um momento gótico. Esta cena fantasmagórica não vem sem aviso, ela representa o auge de uma série de pequenos indícios, que vem sendo construída desde o início do romance, em relação à malevolência do vilão. Loredano é chamado de condottiere, “aventureiro de baixa extração” (p.113), ele fala com “um ligeiro acento italiano, e um meio sorriso cuja expressão de ironia era disfarçada por uma benevolência suspeita” (p. 64). Alencar parece apostar no estereótipo do vilão italiano à moda inglesa. Apesar de Loredano ser eloqüente e articulado, sua condição de estrangeiro é salientada pelo sotaque. Loredano é duas vezes forasteiro, por ser o vilão e por não ser português ou índio. Sua aparência é descrita da seguinte maneira:

Um rosto moreno, coberto por uma longa barba negra, entre a qual o sorriso desdenhoso fazia brilhar a alvura de seus dentes; olhos vivos, a fronte larga, descoberta pelo chapéu desabado que caía sobre o ombro; alta estatura, e uma constituição forte, ágil e musculosa, eram os principais traços deste aventureiro.(O Guarani, parte I, capítulo I, p. 66)
Visando acumular o máximo de tensão para as cenas de clímax, a maldade do vilão é apresentada num crescimento gradual. Ao longo do romance, Loredano sofre um processo de “bestialização”, que se inicia pela visão e olfato; os aspectos sensoriais começam a suplantar a racionalidade, “um olhar ardente, duro, incisivo; enquanto as narinas dilatadas aspiravam o ar com a delícia da fera que fareja a vítima” (p. 95). A transformação de homem em fera se torna mais freqüente, as definições cada vez mais precisas. Em outro momento, diz-se que “sua pupila fulva brilhou na treva, como os olhos da irara” (p.116), comparado aqui a uma onça. Ele também é chamado de “inimigo talvez mais terrível que os Aimorés, porque, se estes eram feras, aquele podia ser a serpente escondida entre as folhas e a relva” (p.159).[1]

À medida que o romance se desenvolve, e o plano de Loredano vai sendo revelado, a traição de Loredano ganha contornos de inimaginável blasfêmia. Sua luxúria por Ceci é tão incontrolável a ponto de ele dizer: “ainda cadáver, o contato desta mulher deve ser para mim um gozo imenso” (p.311). Com a introdução de aspectos hediondos, como a necrofilia, Loredano começa a transcender a condição de fera para atingir o patamar do diabólico, e ao andar sobre o abismo Loredano torna-se o próprio diabo. O narrador conclui que “decididamente esse homem era um espírito infernal que planava sobre o abismo e escarnecia do perigo; um ente superior a quem a morte não podia tocar” (p.313). O controle que ele exerce sobre parte dos aventureiros é anormal, um “terror irresistível, uma obsessão e um pesadelo” (p.312). Apesar do momento de desorientação, não muito depois, o narrador entra novamente para desmistificar a ação com uma solução radcliffeana. O “sobrenatural explicado” entra para elucidar o truque (neste caso de andar sobre o abismo, uma corda de segurança) subordinando o improvável às leis físicas e o fantástico a uma explicação racional dos fatos. É pertinente que, enquanto Alencar se apropria do gótico poético de Radcliffe, baseado na Natureza pitoresca e no sobrenatural explicado, o comportamento ímpio do seu vilão guarda semelhanças com o padre Ambrosio, de Lewis, pois ambos os vilões não conseguem controlar sua luxúria.

Loredano compartilha dessa dimensão “animalesca” com os índios aimorés. Diferentemente da transformação progressiva sofrida pelo vilão, os nativos são desumanizados desde o princípio e não chegam ao patamar do demoníaco. Sua aparência e conduta animalesca indicam antes uma total ausência de costumes civilizados, formando uma “horda selvagem reduzida à brutalidade das feras” (p. 349). Eles são a imagem do país selvagem que Alencar deseja sobrepujar, “filhos das brenhas”, ou seja, das florestas, como são chamados, ainda na infância da raça.

Um prazer feroz animava todas essas fisionomias sinistras, nas quais a braveza, a ignorância e os instintos carniceiros tinham quase de todo apagado o cunho da raça humana.
Os cabelos arruivados caiam-lhe sobre a fronte e ocultavam inteiramente a parte mais nobre do rosto, criada por Deus para a sede da inteligência, e para o trono donde o pensamento deve reinar sobre a matéria.
Os lábios decompostos, arregaçados por uma contração dos músculos faciais, tinham perdido a expressão suave e doce que imprimem o sorriso e a palavra; de lábios de homem se haviam transformado em mandíbulas de fera afeitas ao grito e ao bramido.
Os dentes agudos como a presa do jaguar, já não tinham o esmalte que a natureza lhes dera; armas ao mesmo tempo que instrumento da alimentação, o sangue os tingira da cor amarelenta que têm os dentes dos animais carniceiros.
As grandes unhas negras e retorcidas que cresciam nos dedos, a pele áspera e calosa, faziam de suas mãos, antes garras temíveis, do que a parte destinada a servir ao homem e da nobreza do gesto.
Grandes peles de animais cobriam o corpo agigantado desses filhos das brenhas, que a não ser o porte ereto se julgaria alguma raça de quadrúmanos indígenas do novo mundo.

(O Guarani, parte III, capítulo XIII, p. 387-8)


Estilisticamente, os adjetivos tornam-se macabros, porém não menos poéticos, se compreendidos dentro de uma estética do terror. A descrição dos indígenas carrega implicações ideológicas amparadas por um discurso do horror, o qual desempenha uma função importante nessa sensibilidade, pois alimentam a ojeriza aos aspectos destacados. Aqui, Alencar emprega estratégias que conectam corpo e deformação à imagem dos aimorés; seu objetivo estético seria gerar tensões e contrastes que se oponham à beleza indígena representada por Peri, ou a beleza angelical de Ceci. Além disso, subjaz um discurso que se funda no indeferimento, no repúdio do barbarismo, que ocuparia uma posição inferior na escala de valores que Alencar está construindo. Tradicionalmente, essas técnicas narrativas, que associam carne e dor, foram um recurso largamente utilizado pelos romancistas góticos e se encontram na essência do conceito de sublime imaginado por Burke.

Passado o primeiro espanto, os selvagens bramindo atiraram-se todos como uma só mole, como uma tromba do oceano, contra o índio que ousava atacá-los a peito descoberto.
Houve uma confusão, um trabalho horrível de homens que se repeliam, tombavam e se estorciam; de cabeças que se levantavam e outras que desapareciam; de braços e dorsos que se agitavam e se contraíam, como se tudo isso fosse partes de um só corpo, membros de algum monstro desconhecido debatendo-se em convulsões.

(O Guarani, parte III, capítulo XIII, p. 392)

O monstro gargantuesco acima se refere à dicotomia entre civilização e barbárie. A idéia de Alencar, e sua utilização de um discurso de horror no retrato dos aimorés, comprova uma preferência pelos hábitos racionais europeus ao invés do instinto rudimentar do nativo. Mas não é isso que ele pensa de todos os indígenas, a discussão de valores é habilmente deslocada na figura do herói Peri que, apesar de ser índio, incorpora os valores civilizatórios.

A disposição de Alencar tende a projetar o modelo racionalista europeu como exemplo preferencial. A impressão que se obtém da leitura faz acreditar que o modelo defendido estaria além de questões étnicas ou culturais, impondo-se como padrão universal. Seu desejo é reproduzir nos trópicos o mesmo trato social da Europa, apresentando a civilidade dos costumes como a única conduta possível para homens de bem. Trabalhando com dicotomias, tudo que é considerado positivo no romance deve alinhar-se com o eixo da civilização. Justamente em Peri encontramos seu maior poder de persuasão; o índio seria o grande exemplo da sua proposta. Idealmente, Peri é a síntese de dois mundos, incorporando a nobreza refinada do europeu com o conhecimento empírico dos nativos. A fusão desses elementos pretende constituir a experiência de uma sociedade tropical cuidadosamente elaborada. Entretanto, dificilmente se pode reconhecer nele um personagem indígena, pois seu comportamento se assemelha mais aos códigos de honra seguidos por um cavaleiro medieval. Ele é até chamado de “um cavalheiro português no corpo de um selvagem” (p.102). Peri é um “amigo” enquanto ele adotar esses códigos, a valorização do personagem enquanto índio está condicionada à sua aceitação, ou alinhamento, com os costumes europeus, somente assim ele pode pertencer à nova ordem social que será instaurada. O clímax da sua derrota cultural acontece ao adotar o cristianismo; receber o sobrenome de Mariz é sua aceitação final das crenças do colonizador. Do lado oposto está Loredano, etnicamente alinhado com os europeus, mas que se move para a dimensão pagã e incivilizada dos aimorés, portando uma “fúria de Satanás precipitado no abismo” (p. 189).

Responsável por sabotar o projeto português de colonização, Loredano rebela-se contra a configuração da Casa de Mariz. Ganância, ambição e falta de mobilidade social parecem desencadear o descontentamento. Sendo o portador do mapa do tesouro, ele entende que não tem que se submeter às regras aristocráticas, mas seu amor por Cecília é a sua desdita. Sendo que os aimorés representam a brutalidade incivilizada, o autor descarta o vilão, descontente e apaixonado, como um elemento inadequado ao seu projeto de nação devido a sua cobiça e luxúria.

Loredano parece ser o único personagem capaz de promover mudanças no seu destino, em um romance onde a maioria dos personagens são "planificados", representantes de um papel social, e incapazes de comunicarem suas individualidades. Nesse sentido, seus processos psicológicos são inexpressivos, a exploração subjetiva da alma não se aprofunda e os personagens não se tornam “humanizados”, permanecendo no nível caricatural. Até certo ponto, a personalidade de Loredano parece conter um certo grau de antagonismo. Este seria representado pela oposição entre uma vida de pureza e de pecado, sendo a discórdia entre o espírito e o corpo um drama psicológico dentro do contraditório complexo que é a alma humana.

Quanto aos elementos da composição do personagem, alguns aspectos ligam o perfil de Loredano àquelas convenções estabelecidas pelos primeiros vilões góticos: a compleição física morena, os olhos ameaçadores, o passado obscuro, a origem italiana, a dupla identidade, inclinações violentas e a ganância excessiva. Alencar parece usar o vilão popularizado no romance gótico tradicional para insuflar sentimentos de estranhamento e alteridade entre os leitores brasileiros. Assim como os romancistas ingleses, Alencar estaria com isso levantando questões de nacionalidade. Entretanto, se o conceito de estrangeiro era facilmente reconhecível, propondo uma questão de patriotismo sob a qual todos poderiam se engajar, o projeto necessita de uma aclimatação para fazer sentido na realidade brasileira. Enquanto o modelo gótico tradicional incorporava o assunto de uma identidade nacional britânica, falando em nome de uma nação protestante, democrática, civilizada e tradicional, o mesmo não poderia simplesmente ser transferido para o Brasil.

Apesar de absorver algumas das convenções e dos elementos góticos, O Guarani diverge da fórmula inglesa particularmente ao não deslocar os assuntos nacionais para fora do país. Todo o conflito é situado dentro do Brasil. A condição de estrangeiro de Loredano é destacada no seu sotaque e no seu jargão usual, a exemplo de “per Dio” ou “per Bacco”. Enquanto todos os europeus na casa possuem nomes portugueses, o vilão pode ser notado por seu nome incomum.

A nova identidade assumida por ele parece ser uma referência a um célebre doge de Veneza, cuja riqueza e poder o vilão almeja igualar (ver p. 169). Todavia, diferentemente de muitos vilões góticos, Loredano não é nobre, detalhe que constitui uma distinção importante entre as formas britânicas e a brasileira. O passado do antagonista é parcialmente revelado num capítulo cheio de chuvas torrenciais e relâmpagos. Essa história é uma subnarrativa da história principal, muito parecida com a história de Spalatro e do Barone di Cambrusca em The Italian.[2] A interpolação (metanarrativa) aqui segue uma estrutura labiríntica de enredo, característica de muitos romances góticos. Essas são histórias que resistem a serem contadas e, em última instância, escondem mais do que revelam intenções. Loredano é filho de pescadores em Veneza, que entra na ordem dos Capuchinhos talvez para escapar da mesma sina do pai. Ele procura uma posição social melhor ingressando no seminário. Angelo di Lucca vem ao Brasil para trabalhar como missionário na conversão de indígenas. Suas possíveis privações econômicas enquanto criança tornaram-se privações psicológicas, efeito colateral do aprisionamento monástico, no qual sua sexualidade foi reprimida. Isto é revelado no dia em que ele descobre o mapa das minas de prata e abandona o hábito por uma vida de aventuras. Seu delírio gótico expõe seus anseios de fortuna e de prazer.


Diante de seus olhos, a imaginação exaltada lhe apresentava um mar argênteo, um oceano de metal fundido, alvo e resplandecente, que ia se perder no infinito. As vagas desse mar de prata ora achamalotavam-se, ora rolavam formando frocos de espumas, que pareciam flores de diamantes, de esmeraldas e rubins cintilando à luz do sol.
Às vezes também nessa face lisa e polida desenhavam-se como em um espelho palácios encantados, mulheres belas como as huris do profeta, virgens graciosas como os anjos de Nossa Senhora do Monte Carmelo.

(O Guarani, parte II, capítulo I, p. 180)
O frei regressa do desvario renascido como Loredano (l'ore dano, o minério nocivo?), e ele agora perseguirá o quinhão de mulher e de riqueza que o mundo lhe deve. Seu ressentimento social emerge diante da possibilidade de enriquecimento, e a bela Cecília torna-se depositária do seu desejo de amar. Pobreza, ambição excessiva e abstinência sexual constituem a fórmula alencariana do vilão.

A origem humilde de Loredano distingue-o dos seus potenciais modelos góticos, Ambrosio e Schedoni. Enquanto a maioria dos vilões góticos, em algum momento das suas histórias, foi rica ou desfrutou de algum prestígio, a ambição de Loredano emerge após uma vida de privações, e isso apontaria para o que ele representa nesse contexto. Nesse sentido, o vilão ganha personalidade própria. Adiante, mais diferenças separam Loredano de seus pares britânicos. Enquanto as súbitas revisões de consciência e changes of heart tomam de assalto os vilões ingleses, introduzindo confissões públicas, arrependimentos de última hora, a fim de dar um tom moralizante ao romance, Loredano permanece impassível em seus últimos momentos.


Antes de obedecerem à ordem de D. Antônio de Mariz, eles tinham executado a sua sentença proferida contra Loredano; e quem passasse sobre a esplanada veria em torno do poste, em que estava atado o frade, uma língua vermelha que lambia fogueira, enroscando-se pelos toros de lenha.
O italiano já sentia o fogo que se aproximava e a fumaça, que, enovelando-se, envolvia-o numa névoa espessa, é impossível descrever a raiva, a cólera, e o furor que se apossaram dele nesses momentos que precederam o suplício.

(O Guarani, parte IV, capítulo IX, p. 464)

Diante da morte não há arrependimentos declarados que sirvam para moralizar os momentos finais de Loredano; todavia, sua punição é exemplar para todos aqueles que ousem divergir da boa conduta e da religião cristã. Queimado na fogueira como um herege medieval (para ser purificado pelo fogo), o ex-frei não apela para a misericórdia dos homens, suplica aos Céus ou arrepende-se intimamente. Seus últimos momentos são silenciosos, frustrados e enraivecidos por um sonho de opulência e amor que não chega a se materializar. O Santo Ofício, a Santa Inquisição e a queima de hereges em praça pública foram assuntos principais para os romancistas ingleses que escreveram durante o auge do gótico, e o tema é usado aqui por Alencar.[3] O tribunal eclesiástico instituído pela Igreja Católica adotava esse procedimento, conhecido como Auto da Fé, ou seja, um ato de fé, como uma interpretação do princípio Ecclesia non novit sanguinem (A igreja não está manchada com sangue). Como no modelo britânico, Alencar não deixa o Mal sem punição, entretanto não força acomodações finais, ou as reconciliações forçosas que eram comuns na ficção inglesa. Essas diferenças na origem, nas motivações e na morte do vilão alencariano parecem apontar para quem ele seria. Ao assimilar alguns traços do modelo gótico, Alencar não reproduz a mesma ideologia protestante de que fala Victor Sage. Ele parece apoiar, acima de tudo, valores civilizatórios, como o racionalismo e a honra, em detrimento do primitivismo, brutalidade e traição. Além disso, o romance propõe princípios de domesticidade, família e cristandade, enquanto descarta a licenciosidade, a ganância e a impiedade.

Após exorcizar a casa portuguesa, os selvagens aimorés e o vilão italiano, Alencar parece indicar que velhos ideais aristocráticos assim como, o primitivismo e estrangeiros ambiciosos à procura de riquezas já não eram bem-vindos na sociedade brasileira de 1857. O fundo político do gótico torna-o a linguagem mais apropriada para tratar do assunto, pois fornece um discurso para esse tipo de exorcismo. Não obstante, Loredano difere dos seus pares britânicos, pois não representa mais o medo de uma revolução passada e distante, mas a resposta única de Alencar para as ansiedades brasileiras. O vilão gótico alencariano e as imagens góticas que ele cria representam uma contestação do tempo e a sociedade em que viveu. Sua resposta cultural, imbricada com discussões imperialistas e de soberania nacional, faz sentido na medida em que a sociedade brasileira ia abrindo espaço para pensamentos pré-republicanos, os quais o próprio Alencar ajudou a fomentar, ainda que ele não venha a ver a República. Em sintonia com o seu tempo, Alencar viu as possibilidades do país, que não desejava mais suportar o anacrônico modelo colonial e a exploração estrangeira. Loredano é o símbolo desse descontentamento, que é exorcizado pelo discurso gótico junto com as pessoas que viam o Brasil como um lugar de empreendimentos descomprometidos e de fácil rentabilidade. “Hei de ser rico e poderoso, contra a vontade do mundo inteiro!” (p. 181), diz Loredano demonstrando sua ética e revelando o que veio fazer.

É costumeiro representar o colonialista como um homem rico, geralmente bem arrumado, ou enxugando o suor com um lenço. Se britânico, ele poderá vestir algo na cor bege, um chapéu de caça e um monóculo, e talvez até beber chá servido em porcelana branca. Até mesmo entre uma boa parte da chamada crítica pós-colonial, essa representação do colono rico parece ser comumente empregada, perpetuando uma idéia que não é de todo correta. É obvio que alguns colonialistas eram muito ricos e sofisticados, e se tornaram ainda mais ricos com o comércio, enquanto outros perderam tudo na sua aposta por riquezas. Não obstante, um número significativo desses homens veio de condições pobres. Nos portos de Liverpool, por exemplo, eles eram recrutados pelas companhias de comércio e navegação, para se tornarem capatazes no exterior, baseados exatamente nesse critério de pobreza. A companhia sabia que suas origens humildes iriam constituir um ímpeto de ambição, e que eles iriam aproveitar ao máximo a oportunidade. Então, uma vez endinheirados, eles iriam imitar os hábitos e costumes das classes ricas. Eu entendo Loredano como esse tipo de aventureiro desfavorecido, aspirando construir uma fortuna. Nascido em uma família de poucos bens, ele está preparado para investir tudo na possibilidade de tornar-se rico, mesmo que isso signifique apelar para violência, seqüestro e assassinato. Na verdade, Loredano poderia ter saído da Casa de Mariz a qualquer momento, e conquistado a fortuna com seu mapa das minas de prata. Mas sendo o vilão de um romance romântico, seu reclame maior é amor. “Unicamente vos aviso que aquele que tocar a soleira da porta da filha de D. Antônio de Mariz é um homem morto; essa é a minha parte na presa! É a parte do leão.” (p. 169).

[1] Ao discorrer sobre o terror no seu tratado sobre o Sublime, Burke diz que muitos animais são capazes de invocar idéias de transcendência. IN: Edmund Burke. A Philosophical Inquiry into the Origin of our Ideas about the Sublime and the Beautiful. London: Routledge and Kegan Paul, 1958 (p. 57).

[2] Ver Ann Radcliffe, The Italian, pp. 131-255.

[3] Como Loredano, Ambrosio também seria queimado vivo, mas ele escapa do julgamento vendendo sua alma ao Diabo. IN: Matthew Lewis, The Monk, pp. 298-300. Charles Maturin também aborda a questão da queima de hereges em praça pública como fonte de horror no gótico inglês. IN: Charles Maturin. Melmoth, the wanderer, 2000.

O Gótico: nas fissuras da razão (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

O gótico habita as fissuras da Razão. Um momento de assombro, um segundo de desorientação que nos transporta para além das fronteiras do conhecimento. Textualmente, o gótico se apresenta como um efeito retórico que desafia a segurança epistemológica do leitor. A ordem pode ser imediatamente restabelecida, por meio de explicação autoral, trazendo os leitores de volta à lucidez e fazendo aquele instante de deslumbramento recolher-se à sua rachadura. Mas o gótico persiste, como uma semente de incerteza alojada nas fundações da Razão, pronta para emergir de novo, ou penetrar raízes cada vez mais fundo, até trazer o prédio inteiro abaixo.

Por esse ângulo, o gótico constitui uma resposta que se dá a uma inquietação, uma reação que acontece quando somos empurrados para além dos limites culturais que nos são familiares. É curioso notar como esse desassossego cultural freqüentemente se desdobra em questões de identidade nacional e política. Como discurso literário, o gótico teve início com os romancistas ingleses, na metade final do século XVIII, englobando uma solução para a ansiedade causada pela Revolução Francesa que acontecia do outro lado do canal. Com a popularização do romance, nos séculos XIX e XX, as convenções e imagens estabelecidas por esse gótico literário “clássico” difundiram-se pelo mundo e, no século XXI, elas ainda persistem com vigor, ressurgindo nos livros e no cinema. Apesar de o discurso gótico ser um fenômeno transcultural e trans-histórico, sua significação só pode ser estabelecida em um dado espaço e tempo. Isto quer dizer que os significados e as implicações do gótico têm que ser cultural e historicamente observados para que se compreenda seu sentido.

20060109

Brazilian Gothic: a gothic villain in the tropics (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

Loredano was suspended over the abyss by his hand; it was in his power to save him or to hurl him into the chasm; yet, even under these circumstances, Ruy feared him. He did not understand the cause of that irresistible terror, but he felt it like an evil spirit besetting him, or a nightmare. Meantime the image of bright and sparkling riches, radiating splendor and magnificence, passed before his eyes and dazzled him; a little courage, and he would be the sole possessor of the fabulous treasure of whose secret the Italian was the depository. But courage was what he lacked. Two or three times he was seized with an impulse to suspend himself to the beam, and let the plank roll into the chasm; it did not go beyond a desire. Finally he overcame the temptation. He had a moment of giddiness; his knees bent, and the plank oscillated so violently that he wondered how the Italian had been able to keep his feet.
Then his fear passed away; it was replaced by a sort of frenzy and rage. His first effort, though involuntary, had given him boldness, as the sight of blood excites a wild beast. A second movement, more violent than the first, agitated the plank, which tilted on the edge of the precipice, but no sound of a falling body was heard, only the noise of the wood upon the rock. Ruy, rendered desperate, was on the point of letting the plank go, when the voice of the Italian, faint and hoarse, scarcely audible in the deep silence of the night, reached his ear. “Are you tired, Ruy? You can take away the plank; I have no further need of it.
(The Guarany, part III, chapter III, p. 90)
Despite Ruy’s attempt to make him fall, Loredano walks over the abyss, suggesting the possession of infernal powers. His feat not only defies the laws of probability but claims mastery over the symbol of destruction. A gothic moment of bewilderment above reason is alluded to. The scene does not come without warning; it is a construction of hints fostered from the very beginning about the villain’s malevolence. The villain is called a condottiere, an ‘adventurer of low extraction’ (p.20) who talks ‘with a slight Italian accent, and a half smile whose expression of irony was concealed by a suspicious air of friendliness’ (p. 5). Alencar capitalizes on the Italian stereotype of the British gothic villain. Although Loredano is eloquent and well-spoken, his foreignness is made to stand out in the accent. Loredano is twice the ‘outsider’, both for being the villain and for not being Portuguese or Indian. His appearance is described in the following way:

A swarthy face, covered by a long black beard, through which his contemptuous smile permitted the whiteness of his teeth to glisten; sharp eyes, a wide forehead, which his broad brimmed hat falling upon his shoulders left uncovered; a tall stature, and a strong, active, and muscular constitution: these were the chief traits of this adventurer. (The Guarany, part I, chapter I, p. 6)

He undergoes a gradual process of ‘animalisation’ which begins with ‘an ardent, hard, incisive look, while his dilated nostrils inhaled the air with the delight of a beast scenting its prey’ (p. 15). This transformation of man into beast becomes more and more frequent. In another moment, it is said that ‘his eyes shone in the darkness like those of a wildcat’ (p. 21). He is also called ‘an enemy perhaps more terrible than the Aymorés, because if these were wild beasts, the other might be a serpent concealed among the flowers’ (p. 35).[1]

As the novel develops, Loredano’s plan is revealed and his treason gains blasphemous contours. His lust for Cecy is so strong that he can say: ‘even when a corpse, contact with this woman must be an infinite delight to me’ (p. 89). With the introduction of necrophilia, he begins to transcend the condition of ‘beast’ to become ‘bestial’. On walking over the abyss Loredano becomes the very devil. The narrator concludes that ‘clearly this man was an infernal spirit, hovering over the abyss, and laughing danger to scorn; a superior being, whom death could not touch’ (p. 90). The control he exercises over some of the adventurers is uncanny, described as an ‘irresistible terror’, ‘a nightmare’. Despite the moment of disorientation, not long after, the narrator comes in again to demystify the action. A Radcliffean solution comes in to elucidate the trick (a safety rope), subordinating the improbable to the physical laws and the fantastic to a rational explanation of the facts. It is remarkable here that while Alencar appropriated some of Radcliffe’s ‘poetical’ gothic, based on pictorial Nature and explained supernatural, his villain’s impious behaviour has great similarities to Lewis’ Ambrosio, as both antagonists cannot control their lust.

Loredano shares this ‘animal’ dimension with the Aymoré Indians. Unlike the continual transformation suffered by the villain, the natives are dehumanised from the beginning, but do not come to personify the devil. The Aymorés’ animal-like appearance and behaviour indicate brutality and total absence of civilized customs. They are the image of a savage country Alencar intends to subdue, the ‘children of the woods’, as they are called below, still in the infancy of the race.

While they were busy with this work a savage pleasure lighted up the sinister countenances of the Aymorés, from which ferocity, ignorance, and thirst for blood, had almost wholly blotted out the human type. Their neglected hair fell over their foreheads, and entirely concealed the noblest part of the visage, created by God as the seat of intelligence and the throne from which the mind is to reign over matter. Their misshapen lips, drawn back by a contraction of the facial muscles, had lost the soft and pleasing expression that laughter and speech impart; from human lips they had been transformed into the mandibles of the beast, accustomed to cries and roars. Their teeth, sharp as the fangs of a jaguar, no longer retained the enamel nature had given them, - weapons as well as instruments of mastication, blood had tinged them with the yellowish hue that the teeth of carnivorous animals have. Their long, black, and hooked nails, the rough and callous skin, made their hands rather terrible claws than the members designed to minister to the wants of man.
Skins of animals covered the gigantic bodies of these children of the woods, who, but for their erect posture, might have been considered some species of quadrumana indigenous to the new world. Some were ornamented with feathers and collars of bones; others, completely naked, had their bodies anointed with oil to keep off the insects.
(The Guarany, part III, chapter VIII, p. 114)
Stylistically, the adjectives become macabre, but they are no less poetic, if understood under an aesthetic of horror. The indigenous description carries ideological implications underpinned by a horror discourse which performed an important function in this sensibility. Here, Alencar employs strategies that connect body with deformation, creating tensions and contrasts. Traditionally, these narrative techniques, which associate flesh with pain, were a basic strategy for the gothic novelist and constituted the very essence of the Burkean sublime.

After the first moment of consternation, the savages, with wild cries, threw themselves in a single mass, like a wave of the sea, upon the Indian who dared to attack them openly. There was a confusion, a dreadful whirlwind of men jostling each other, falling and twisting; of heads rising and disappearing; of arms and backs moving and contracting, as if they were all parts of a single body, members of some unknown monster writhing in convulsions. (The Guarany, part III, chapter VIII, p. 114)
The gargantuan monster of flesh above refers to a dichotomy of civilization and barbarism. This idea runs alongside a discourse of horror which verifies the preference for rational European habits instead of the rudimentary instinct of the native. Alencar’s persuasiveness comes through by skilfully displacing this discussion in the figure of the hero Pery. The intention is to project the ‘rational’ model as a universal standard, above ethnicity and culture, and Pery would exemplify this proposal. Ideally, he is the synthesis of two worlds, incorporating the nobility of the European with the empiricism of the Indian. However, he is hardly recognisable as an Indian character; his behaviour resembles more the codes of honour followed by a medieval knight. He is even called ‘a Portuguese cavalier in the body of a savage’ (p. 17). Pery is a ‘friend’ as long as he upholds these codes. The climax of his cultural defeat happens when he adopts Christianity. Receiving the name of Mariz is his final acceptance of the coloniser’s belief. His direct opposite and counterpart is Loredano, who is ethnically aligned with the Europeans but moves to the uncivilised, paganistic dimension of the Aymorés, bearer of a ‘rage and fury of Satan hurled into the abyss’ (p. 43). Responsible for sabotaging the Portuguese colonisation project, Loredano rebels against the social configuration in the house of Mariz. Greed for fortune and lack of social mobility seems to trigger his discontent. Being the bearer of a treasure map he does not feel he has to submit to aristocratic rules, but his love for Cecy is his disgrace. Since the Aymorés represent uncivilised brutality, the author discards the love-struck, dissatisfied villain, as being inadequate for his project of nation.

Loredano seems to be the only character capable of promoting changes to his fate in a novel where most characters are ‘flattened’ representatives of social function instead of expressing their individuality. In this sense, their psychological processes are inexpressive, the subjective exploration of the soul does not deepen and the characters do not become ‘humanized’, remaining on the level of caricature. To some extent, Loredano’s personality seems to contain a certain degree of antagonism. It is represented in the opposition between a life of purity and sin; the disagreement between spirit and body is a psychological drama inside the contradictory complex that is the human soul.

Looking at elements of the character’s composition, a few aspects link his profile to those conventions established by the early gothic villains: the dark physical complexion, the threatening eyes, the obscure past, the Italian origins and clerical connections, the double identity, the violent inclinations and the excessive greed. Alencar seems to use the villain popularised in the early gothic to stir feelings of estrangement and alterity among Brazilian readers. Like the gothic novelists he is seeking to raise questions of nationality. However, if the concept of ‘foreigner’ was easily recognisable, proposing a patriotic question around which everyone was able to join in, the project needed acclimatising to make sense in a Brazilian reality. While the traditional gothic novel incorporated the subject of British national identity by speaking in the name of a Protestant, democratic, traditional and modern nation, the same could not be simply transferred to Brazil.

Despite absorbing some gothic elements and conventions, The Guarany deviates from the formula principally by not dislocating its national questions. The conflict is set to be resolved inside the country. Loredano’s foreigner condition is made to stand out in his accent and in his usual jargon such as ‘per Dio’ or ‘per Bacco’. Also while all the Europeans in the house have a Portuguese name, the villain is noticed because of his unusual name.
The villain’s newly assumed identity seems to be a reference to the family name of two of the Doges of Venice, but unlike many gothic villains, Loredano is no noble. This constitutes an important distinction between the British and the Brazilian forms. The antagonist’s past is partially revealed in a tense and mysterious chapter, full of torrential rain and lightning. This story is a sub-plot of the main narration, very similar to both the story of Spalatro and the Baróne di Cambrusca in The Italian.[2] The interpolation (metanarrative) here follows the gothic labyrinthine plot structure. These are stories that resist being told and ultimately conceal rather then reveal their intentions. Loredano is the son of a Venetian fisherman, who enters the Capuchin order, perhaps to escape the same fate as the father. He searches for a better social position in society by assuming the priesthood. The former Angelo di Lucca comes to Brazil to work as a Christian missionary, converting Indians. His possible economic deprivation as a child turns into psychological deprivation, a side effect of monastic imprisonment where his sexuality was repressed. This is revealed the day he discovers a map of the silver mines and abandons the habit for a life of adventures. Reborn as Loredano (l’ore dano, the evil metal?), he now goes to pursue the share of woman and wealth the world owes him. His resentment of society surfaces with the possibilities of enrichment, and the beautiful Cecília becomes a repository of his desire for love. Poverty, excessive ambition and sexual abstinence constitute the Alencarian formula for a villain.

Loredano’s humble origins distinguish him from his potential gothic models, Ambrosio and Schedoni. While most gothic villains, at some point in their lives, benefit from riches and prestige, the ambition in Loredano stems from a life of deprivation which points to what he represents in that context. In this sense the villain gains his own personality. Moreover, further differences push Loredano away from his ‘British’ counterparts. While a sudden change of heart assails the British gothic villains, introducing the moralising tone, public confessions and last minute regrets, Loredano remains unchanged in his final moments.

Before obeying Dom Antônio’s order, they had executed the sentence pronounced against Loredano, and any one at that moment crossing the esplanade would have seen the flames ascending around the post to which the friar was bound. The Italian already felt the fire drawing near and the smoke gathering in a dense cloud about him. It is impossible to describe the rage, anger, and fury, that took possession of him in these moments preceding his punishment. (The Guarany, part IV, chapter IX, p. 137)
In the face of death there is no declared regret that would moralise Loredano’s end, but his punishment is an example for all who diverge from the Christian religion. Burned as a medieval heretic (to be purified by the flames) the ex-friar does not appeal to the mercy of man, beg reconciliation with God or review his conscience. His last moments are silent, frustrated and enraged by a dream of wealth and love that did not materialize. This public burning of heretics at stake is a prime gothic motif used here by Alencar,[3] the Catholic Inquisition adopted this punishment, known as Auto da Fé (an act of faith), as an interpretation of the principle Ecclesia non novit sanguinem (the Church is untainted with blood). Similar to the British model, Alencar does not leave Evil unpunished, albeit he does not force final accommodations, or reconciliations which were common to the British fiction. These differences in the villains’ background, motivations and death seem to be fundamental in revealing who the antagonist is. When assimilating some traces of the gothic mode, Alencar does not reproduce the ideology. He seems to support, above all, values of civilization, rationalism and honour, rather than primitivism, brutality and treachery. Furthermore, the novel proposes principles of domesticity, family and Christianity, while discarding licentiousness, impiety and greed for riches.

After exorcising the Portuguese house of the savage Aymorés and the Italian villain, Alencar seems to be indicating that old aristocratic values, primitivism and greedy ‘foreigners’ in search of wealth, were no longer welcome in 1857 Brazilian society. The gothic is the entitled language, the most suitable discourse for this kind of ‘exorcising’. Loredano differs from his British gothic counterparts; he does not represent fear of a distant French Revolution but Alencar’s unique response to Brazilian anxieties. Alencar’s gothic villain and images represent a cultural response imbricated with imperialist discussion, as the transforming Brazilian society was making way for republican thought. Very much in tune with his time, Alencar saw the possibilities of a country which did not wish to support the anachronic colonial model or foreign exploitation. Loredano is a symbol of this discontent (exorcised by the gothic discourse) along with people who saw Brazil as a place of enterprise enrichment.

‘I will be rich and powerful, though the whole world oppose!’ (p. 43), says Loredano. It is customary to represent the colonialist as a rich man, usually dressed in beige clothes, wiping sweat away with a handkerchief. If British, he might have been wearing a hunter’s hat and a monocle, perhaps drinking tea served in fine white china. Even with a fair amount of postcolonial criticism this rich colonist representation seems to be commonly employed, perpetuating an idea that is not completely correct. Of course some colonialists were very rich and sophisticated, and became even richer in trade while others lost everything in their gamble for wealth. Nevertheless, a significant number of these men actually came from deprived backgrounds. On the docks of Liverpool, for example, they would be recruited by trading and shipping companies to become masters abroad, under this very criterion of poverty. The company knew that their humble origins would constitute the drive in them to make the most of the opportunity. Then, once rich, they would imitate upper class habits and manners. I understand Loredano to be this type of disfavoured adventurer, aspiring to build his fortune. Born into a dispossessed family, he is prepared to invest everything in the possibility of becoming successful; even if it means turning to violence, kidnap and murder. In fact, Loredano could have walked away from the house of Mariz at any time and conquered fortune with his silver mine map. However, as the villain of a romantic novel, his utmost claim is Love. ‘Only I warn you that he who shall cross the threshold of Cecília’s door is a dead man; she is my share of the booty, the lion’s share!’ (p. 39).

[1] On talking about Terror in his treatise about the Sublime, Burke says that many animals are capable of invoking these ideas of transcendence. IN: Edmund Burke. A Philosophical Inquiry into the Origin of our Ideas about the Sublime and the Beautiful. London: Routledge and Kegan Paul, 1958 (p. 57).
[2] See Ann Radcliffe, The Italian, pp. 131-255.
[3] Like Loredano, Ambrosio was also going to be burned alive but he escapes the trial by selling his soul to the Devil. IN: Matthew Lewis, The Monk, pp. 298-300. Maturin also account for the burning of heretics as a source of horror in the English gothic. IN: Charles Maturin. Melmoth, the wanderer, 2000.