20060713

Tropical Gothic (Daniel Serravalle de Sá, 2006)


O trabalho destaca a presença de imagens góticas no romance brasileiro O Guarani (1857), de José de Alencar, enfocando o que há de sexual, sublime, violento e demoníaco na obra. A abordagem propõe um novo ângulo de interpretação para este romance tradicionalmente entendido pela crítica literária como manifestação indianista, rousseauniana e épico-histórica, utilizando o gótico como estratégia de leitura.
Tropical Gothic faz aproximações específicas entre O Guarani e os romances ingleses The Mysteries of Udolpho (1794) e The Italian (1797), ambos de Ann Radcliffe, e The Monk (1796), de Matthew Lewis, estabelecendo ligações através de imagens (o abismo, a montanha, o castelo) presentes nas narrativas e por meio da forma literária labiríntica que organiza os romances. De modo que se argumenta por um modelo intertextual entre a ficção gótica inglesa e o romance de Alencar. O objetivo da dissertação foi estipular alguns aspectos teóricos e temáticos a partir dos quais uma leitura comparativa pudesse ser feita. A tarefa parecia ser antagônica a princípio, mas não contraditória. O desacordo estaria nas discrepâncias histórico-culturais, políticas, religiosas e geográficas que se interpõem entre ingleses e brasileiros.
De um lado havia os romancistas ingleses situando seus romances em nações católicas e mediterrâneas. A crítica literária contemporânea já definiu plausivelmente o fundo político, de afirmação nacional e anti-revolucionário que orienta as origens do gótico inglês (1764-1820). Assim, ao ambientar suas histórias em castelos e igrejas e, ao referir-se aos costumes medievais, tais romancistas estavam apontando para as iniqüidades da Europa continental e reafirmando o projeto político inglês. De outro lado havia Alencar escrevendo de uma realidade diferente, pronunciando-se de um recém-independente país tropical, uma ex-colônia em busca de voz própria, onde a Idade Média se apresenta (se é que) como fragmento reminiscente da religião católica. No Brasil, os castelos, enquanto construções físicas, são referências inexistentes. A proposta de um gótico tropical parecia implicar um antagonismo, até terminológico, entre o “sombrio” e o “solar”, como associar essas duas literaturas aparentemente tão distintas à primeira vista?
Inicialmente foi necessário apresentar o romance gótico, discutir sua formação e os seus significados históricos. Traçam-se diferenças entre o gótico inglês e as narrativas irracionalistas, fantásticas que se praticavam em outros países da Europa, principalmente na França e Alemanha. A disposição mais lúgubre que encontrou sumarização em certas imagens literárias fez parte de um espírito de época mais sombrio que se abateu sobre a Europa no final do século XVIII. Os romances góticos fizeram um uso específico de tais imagens, refletindo seus desassossegos com os acontecimentos revolucionários iniciado nas Américas (1776) e posteriormente na Europa continental (1889), entretanto, deslocando-os para outro tempo e contexto. Além da simbologia das imagens, esses romances organizavam suas histórias através de interpolações narrativas, o que ficou conhecido como enredo labiríntico, cristalizando na ficção esses aspectos de desorientação política, demonstrando a ligação entre Literatura e História. Entendido não como um gênero literário, mas como um momento narrativo no qual se dá um desafio da Razão, o gótico representaria nos romances ingleses inquietações políticas e culturais em busca de resolução. Tais aspectos do romance gótico foram objetos de apropriação/aclimatação e se encontram presentes no O Guarani, manifestos na Casa de Mariz, na Natureza tropical, na tribo canibal aimoré e no vilão italiano.
Diante desse quadro de histórico-cultural, selecionei passagens nos romances góticos tradicionais, as quais continham imagens de abismos, montanhas e castelos, com o intuito de discutir em maior detalhe as inquietações e o éthos do século XVIII na Europa. Procuro demonstrar como as interpretações dessas imagens variavam de acordo com as inclinações políticas dos autores, do radicalismo filosófico do Marquês de Sade, do republicanismo de Mary Wollstonecraft ao monarquismo de Edmund Burke. Ao examinar os terrores sutis de Radcliffe, o horror explícito de Lewis e a paródia gótica de Austen, argumento que, apesar das particularidades nas abordagens, o século XVIII “canonizou” uma tradição gótica que destacou o antagonista estrangeiro como um objeto central para discutir assuntos de conotações políticas e nacionalistas, que esses romances invariavelmente continham. Ao fim dessa parte, a idéia foi passar ao leitor uma leitura de como as convenções góticas foram estabelecidas e, de como elas estão profundamente imbricadas com questões de identidade nacional.
Em seguida procurei isolar a relação de Alencar com essas convenções góticas que se formaram antes. Minha leitura “gótica” da obra busca apontar traços específicos da presença cultural britânica na literatura brasileira. Novamente, inicio esta parte com uma passagem contendo imagens similares do abismo, da montanha e do castelo, tentando demonstrar como Alencar as aborda na sua fundação imaginária do país. Ao explodir o solar do fidalgo português D. Antônio de Mariz (emblemático do império), juntamente com os ferozes aimorés (simbolizando a nação primitiva) e queimando o vilão italiano (representando a presença estrangeira), Alencar não desloca o debate dos problemas, como era comumente feito no romance gótico inglês, mas aborda as questões nacionais in loco. O autor utiliza a representação estereotípica dos vilões para designar uma rejeição do estrangeiro mercenário que vem ao país em busca de lucro fácil.
Tropical Gothic relê o romance O Guarani utilizando o gótico enquanto grade de leitura. A intertextualidade com o modelo inglês foi estabelecida através de imagens, símbolos e por meio da forma labiríntica recorrente nos romances. Ao longo da pesquisa apontei para as semelhanças e discrepâncias entre as narrativas mencionadas, focando aspectos relativos à percepção e descrição da Natureza, à representação de vilania e questões de identidade nacional e ao uso de um discurso gótico para purgar elementos não desejados nas narrativas. A definição “romance indianista” dada para O Guarani provém de uma sistematização literária posterior, porém Alencar não o pensava assim, por isso deu-lhe o subtítulo de romance brasileiro, destacado-lhe o caráter da nacionalidade como seu foco principal. Salienta-se que a maneira como apresentamos ou classificamos um determinado texto conduzirá a leitura que fazemos do mesmo. Porém, uma mudança de perspectiva pode renovar uma obra, revelado-lhe aspectos que se encontravam obscurecidos pela classificação.

20060529

Tropical Terror: subversion in the films of Coffin Joe (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

My next project aims at pursuing theoretical and thematic features of Terror in the horror films of Zé do Caixão (Coffin Joe). The idea is to focus on the subversive connotations, rather than on its exploitation elements, highlighting the cultural significance of these films both in their time of production and at present, when they unfold as ‘cult’ items for niche consumption.
Although the boundaries are not always clear, Terror is understood here as a broader category which encompasses, among others forms, Horror, Murder-Mystery, Thriller and Gothic-Supernatural narratives. [1] Critics have plausibly established the terms Terror and Horror to distinguish between two distinct types of Gothic fiction, with Ann Radcliffe and Mathew Lewis being respectively the prime examples of each. The conventions (images, symbols, plots, discourse, etc.) set by the former Gothic narratives still linger strongly in contemporary books and movies, those in which some aspect of fear is celebrated. According to Radcliffe herself, [2] Terror is characterised by ‘obscurity’ or indeterminacy in its treatment of potentially horrible events – it is this potentiality which leads to the effect of Sublime. In contrast, Horror ‘freezes and nearly annihilates them’ with its unambiguous, explicitly blunt displays of atrocity. One might think that what Horror does is to materialise the worst that Terror could make one imagine. If that is the case, despite the exchange of the mind's eye for the actual sight of the dreaded (perhaps a modern audience would feel disappointed in the absence of it), Horror should not be seen as an inferior category, but rather as specialisation of Terror. The underpinning concept here is to see Terror as wide-ranging model which can open the mind to possibilities that could never be physically actualised.
From this angle, Terror emerges as a response to disquietude, in other words, feeling “terrified” is a reaction that takes place when we are pushed beyond familiar limits. It is noteworthy how this uneasiness frequently stems from cultural matters and how it unfolds questions related to political and national identity. [3] Although Terror is a trans-cultural and trans-historical phenomenon, its significance can only be recognised in a defined space and time. That is to say, the meanings and implications of these conventions have to be culturally and historically observed.
If not the first true horror movies made in Brazil, the films of Coffin Joe are certainly a landmark in the country’s filmmaking. Inhabiting the realms of horror/comic, as Jack Morgan approaches the genre, [4] the character Coffin Joe is the invention of José Mojica Marins, who is also the writer, director and star of the films. The present historical moment brings about a renewed interest for these films shot almost half a century ago. Revisited by a contemporary perspective, namely the boundaries cult/trash, Marins’ films and character are currently paving the way to become an international classic. The antihero Coffin Joe is first appears to the public in 1964, in the film A Meia Noite Levarei sua Alma (At Midnight I will take your Soul). His figure is most distinctive: top hat, flowing black cape, chiselled beard, piercing eyes and nails like talons – perhaps anticipating Freddy Krueger. The character is the cruel and evil undertaker of a small village who terrorizes the citizens with extremely violent behaviour. His goal is to find a perfect woman to bear him a child. Having left his former wife, who he considers inept for the task, his desire befalls on his best friend’s spouse, who becomes the depositary of his thirst for Perfection.
Filmed in black and white, the desolate and impoverished village is photographed in a stylish manner, resembling, to a certain extent, the images of primitive cinema but, in fact, it was a way of concealing the limited budget. This crudeness has rendered Marins’ filmmaking an analogy with the works of Edward D. Wood Jr. (1924-1978), who has recurrently been called the worst director that has ever existed. Wood believed having an aptitude for filmmaking and he attempted his talent chiefly at Terror and Sci-Fi movies, working with hardly any budget and with collaborators who had very little charisma. His films are frequently considered “trash” or “naïf”, but he became more famous and cherished after his death. This sudden conversion into an icon is greatly due, not only by his work, but by the film Ed Wood (1994), in which the he was treated with respect and deference by Tim Burton. But can the films of Marins be compared to the works of Ed Wood? In part, perhaps. If the production’s low expenditure in Coffin Joe’s films suggest a “trashy” aesthetics, the quality of his nightmares offer more than enough material for constructing arguments in defence of a non-trashy art, but rather a vigorous, intuitive production stemming from the margins of the alleged official cinema.
Despite its technically poor production, some of the nocturnal graveyard sequences in this film seem to dialogue with the feats accomplished by Mario Bava in Black Sunday (1960). It also brings about scenes apparently influenced by Surrealism, as in the films of Buñuel, an atmosphere similar to that present in Terence Fisher's earlier Hammer films, not to mention the classic Universal horrors which crop up in numerous little homages”. The comparisons here are not meant to exalt Marins’ films in the light of renowned productions, as he is original in his own rights. The point here is to show them as part of a world wide film production, of Terror making in particular, which was quite prolific in the 60s and 70s.
Against the odds (the country’s Catholic audience, unfamiliar with horror movies), At Midnight I’ll take your Soul becomes a small hit and its success encourages Marins to attempt newer productions. The initial black and white template gives way to further experiments and an unexpected, full-blown Technicolor scene of a frozen Hell can be seen in Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver (This Night I’ll posses your corpse, 1967). The people trapped there are being tortured by means of branding and whipping, some are being gored with forks while chained to each other, while other are physically imprisoned by being plastered to the wall, etc. This multi-coloured sequence concerns a nightmare Coffin Joe has (his real life is portrayed in black and white), conveying in images an aesthetic of excess which complements textual aspects. The discussion about the existence of god is certainly an axis which orients the film.
There is a fleeting philosophical discussion in At Midnight I will Take your Soul, implying a conception of god as Nature, in which blood and genes are the only hope of immortality (there are stated Sadean references in his theory), or god as Supernatural force, whose transcendent power is manifested in the immorality of the spirit. In this film, Coffin Joe’s biological or materialistic belief is subdued after his Dantesque vision of agonising souls in Hell and, in death, he fearfully conforms to the existence of an after-life. In posterior films the character undergoes meaningful changes, concerning its power and influence, becoming more of a demigod, a dweller of the shadows and nightmares. Possessor of ghostly powers, Coffin Joe professes from the Limbo his evil and demoniac philosophy. However primary in technique Marins’ films might be, (sometimes naïvely, and even clumsily) due to its shocking scenes and excruciating themes, such as torture, mutilation and blunt violence, there is a dark side which emerges in these films suggesting a curious relationship with the brutal practices of the 64 dictatorship.
Although the finest of his production was made in the 60s and 70s under the state-controlled media of the military system, his fame subsisted the years of censorship and, in the 90s, stormed into the international market. Its up rise seems to have most noticeably begun with the release of a Coffin Joe Trilogy in the American market, turning his films into offbeat products. Since then the character has gained international projection as a horror film classic. This was followed by a high-tech six DVD box set updating Coffin Joe’s films to the digital era. The interest for the subject and character is booming as recently two journalists from São Paulo have written Marins’ biography, celebrating the originality and importance of the Brazilian horror filmmaker.



[1] In the 70s Todorov established a structural division for what he called Fantastic Literature, proposing four categories according to the development and dénouement of the narratives, they are: L’étrange pur, le fantastique-étrange, fantastique-merveilleux and le merveilleux pur. This interesting analysis, however, fails to consider the cultural aspects of the narratives, reducing the question to a dichotomy between Realism v. Fantastic. See: Tzvetan Todorov. Introduction a la Littérature Fantastique. Paris: Éditions du Seuil, 1970.
[2] See: Ann Radcliffe, On the Supernatural in Poetry. IN: The New Monthly Magazine 7, 1826 (pp. 145-52). This essay, published posthumously, is itself a revision of the ideas about the sensual effects which lead to the sublime feeling, as proposed by Edmund Burke in A Philosophical Enquiry into the Origin of our Ideas of the Sublime and Beautiful (1757).
[3] I am using here Said’s definitions of culture: First, meaning all the practices “like the arts of description, communications, and representation, that have relative autonomy from the economic, social and political realms and that exist in aesthetic forms”. Second, meaning “culture is a concept that includes a refining and elevation element, each society’s reservoir of the best that has been known and thought …In time, culture comes to be associated often aggressively, with the nation or the state; this differentiate “us” from “them” …Culture in this sense is a source of identity…” IN: Edward Said. Culture and Imperialism. New York: Vintage Books, 1993. (pp. xii , xiii)
[4] Using the image of a “double helix” or a DNA like spiral, the author argues there is a fine line between the horror and the comic and, still according to him, the excessively grotesque frequently provokes laughter. See: Jack Morgan, The Biology of Horror. Illinois: Southern Illinois UP, 2002.

20060220

Alguns pressupostos burkeanos (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

O pensamento conservador começou a se desenvolver no século XVIII e foi sensivelmente influenciado pelos acontecimentos revolucionários ocorridos na França, em 1789. O conservadorismo no Reino Unido surgiu das idéias contidas no livro Reflexões sobre a Revolução em França, do parlamentar Edmund Burke. O livro foi publicado inicialmente em 1790, sendo escrito pelo o político no calor dos acontecimentos ainda insurgentes. Nesse texto, que constitui um argumento de classe do conservadorismo, Burke se posicionou contra o levante popular. Ele procura desqualificar o discurso revolucionário, se antecipando para que este não atravesse o canal e ganhe adeptos na Inglaterra. Na sua argumentação anti-revolucionária, Burke arrisca previsões de grande violência e desfechos adversos para as propostas libertárias da Revolução Francesa. Para a reputação de Burke, parte dessas previsões viriam realmente a se confirmar, sobretudo durante a época do Terror, a mais violenta da Revolução Francesa. Burke defende a superioridade do sistema político britânico, sustentando que a liberdade do cidadão inglês é uma herança nacional e que estaria mais segura em um governo que balanceasse igualmente no tripé: democracia, aristocracia e monarquia.
“Nem todos os sofistas do seu país poderão produzir nada melhor para garantir um liberdade razoável e generosa que o método que nós adotamos; nós que procuramos seguir a natureza ao invés de nossas especulações e que preferimos confiar a conservação de nossos direitos e privilégios aos sentimentos de nossos corações ao invés de entregá-las a à sutileza de nossas invenções”. (Burke, 1977: p.70)

Burke via na Revolução Francesa um projeto malsucedido, porque seus líderes tentaram subverter um sistema político coeso e colocar outro em seu lugar de imediato. No seu entendimento não houve processo gradual de mudança mas um corte bruto, onde um fluxo natural fora interrompido, e a ordem deixou de ser perpetuada. Segundo o autor, quando a monarquia absolutista que vigorava no França sofreu o “golpe”, e o feudalismo fora declarado extinto, comprometeu-se toda a sociedade organizada. A revolução destituiu e destruiu as instituições religiosas, executivas, legislativas e judiciais que haviam se formado ao longo de séculos.
Na avaliação de Burke a monarquia absolutista francesa era a melhor na Europa, ainda que estivesse necessitando de algumas medidas corretivas para diminuição de abusos. Segundo o autor, tais reformas já estavam engatilhadas porém não houve tempo hábil de colocá-las em prática, antecipando a revolução. Se por um lado o autor procura defender a aristocracia francesa, por outro culpa-a por não ter evitado o rumo dos acontecimentos. Em sua crítica há uma oposição de interesses entre: o landed interest, representado pela nobreza e o moned interest, representado pelos burgueses. Para Burke, se a nobreza, proprietária de terras, tivesse aberto as portas da sociedade para burguesia, detentora de capital, a revolução poderia ter sido evitada. Por não ter feito as reformas contra os abusos e as concessões de classe necessárias, a aristocracia não conseguiu evitar a aliança entre os intelectuais e os burgueses que, unidos, acabaram por mobilizar o descontentamento popular, desencadeando a Revolução Francesa.
A crítica burkeana aos idealizadores da revolução, conhecidos também por racionalistas políticos, consistia em denunciar a metodologia doutrinária que apregoavam. De acordo com Burke a abordagem proposta pelos revolucionários não passava de uma série de máximas, sem cuidado pelo detalhe e pouco condizente com a realidade. Na ocasião do seu lançamento, Reflexões sobre a Revolução em França foi um livro extremamente popular, em nenhum do pontos que levantou faltou controvérsia, porém independente de toda a polêmica, se a análise de Burke foi acertada ou não, os acontecimentos revolucionários ocorridos na França o estimularam a conceber e escrever sua filosofia política.
A idéia subjacente à Reflexões sobre a Revolução em França compreende a sociedade como algo vasto e complexo, um organismo natural que se constituiu através de evolução histórica, não podendo ser interrompido abruptamente. Esse fluxo intermitente é depositário das experiências humanas, de sabedoria adquirida, e por isso deve ser reverenciado. De modo que, qualquer proposta de reforma para a sociedade deve ter em devida consideração a continuidade das tradições. Entende-se que o desejo conservador de manter “as coisas como estão” revela um entendimento da História como um fluxo contínuo, sem lugar para rupturas ou câmbios de direção. O fio condutor que supostamente uniria o passado ao presente, e ainda, teceria o futuro, seria urdido pela experiência e a tradição. No entendimento socio-político de Burke temos que uma comunidade de homens é fruto de laços históricos, e, tão antiga e intrincada são essas ligações que não podem ser racionalizadas. Sua visão organicista propõe que somente na ascendência histórica e na ordem natural o governo livre se faz possível.
Sobre igualdade entre os homens e ascensão dentro dessa sociedade, Burke é taxativo. Para ele o organismo social possui diferentes classes, e a desigualdade que existe entre os homens é inerente ao organismo. Assim, temos uma sociedade auto reguladora, que seleciona a sua própria “aristocracia natural”, cabe aos os homens comuns entender, aceitar e respeitar essa ordem estabelecida. Na concepção política burkeana, princípios abstratos, metas utópicas e regras gerais não são da ordem natural. Essa oposição pelos princípios abstratos promulgados na França, vinha da crença que os homens deveriam procurar no passado as repostas para suas questões do presente.
“Acredite-me, senhor, aqueles que tentam nivelar nunca igualam. Em todas as sociedades compostas de diferentes classes de cidadãos é necessário que algumas delas se sobreponham às outras. Os niveladores, portanto, apenas mudam e pervertem a ordem natural das coisas; sobrecarregando o edifício social ao colocar no ar o que a solidez do edifício exige ser posta no chão” . (Burke, 1977: p.81)
Além da sua crença em uma aristocracia natural, Burke era convicto de ser o cristianismo a única e verdadeira fé. Homem religioso que era, fundamentava o seu argumento último e inapelável na Providência. Sua tese advoga que o homem é um animal social e cortado das suas raízes não passaria de uma besta. Esse organismo social é sustentado pelo costume e a tradição. A reverência à Deus e à ordem social devem ser os dois maiores pilares do homem pois é em última instância um propósito de divino.
“Sem condenar violentamente nem a crença grega, nem a armênia, nem, desde que os rancores não existem mais, a crença romana, preferimos a crença protestante, não por que ela tenha menos do Cristianismo em si, mas sim porque, segundo o nosso julgamento, ela tem mais. Somos protestante não por indiferença, mas por zelo” (Burke, 1977: p.112).
A aparente intransigência de Burke em relação à mudanças era suavizada com o argumento da “mudança controlada”. Procurando dar certa relatividade à questão, Burke aceitava que às vezes as mudanças se fazem necessárias. Entretanto, advogava que essas deveriam ser ínfimas e que deveriam almejar ao máximo a preservação da ordem estabelecida. Tendo em vista que os limites e a natureza dessas mudanças não são devidamente mencionadas, talvez trate-se de uma saída retórica dentro de uma argumentação tão elaborada. Uma brecha por onde ele poderia escapar de uma posição sectária e rebater possíveis acusações de intransigência e passadismo.

20060216

Apresentando o romance gótico (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

Há uma relativa consistência nas convenções narrativas que fazem do romance gótico uma literatura reconhecível como tal, mas que não chega a constituir um gênero. O romance gótico é uma manifestação essencialmente híbrida, um elo entre o romanesco e o romance no qual uma atmosfera de mistério, aflição e terror prevalece. Chamados de “góticos” por retirarem sua inspiração de construções medievais, em parte, pode-se dizer que tais romances representaram uma volta ao passado feudal, provocada pela desilusão com os ideais racionalistas e pela tomada de consciência individual frente aos dilemas culturais que surgiram na Inglaterra a partir da metade final do século XVIII.
Por este ângulo, o romance gótico representa uma mescla de tradições distintas, uma mistura entre o mitológico e o mimético, entre imaginação e realidade. A proposta subjacente seria o retorno a uma época de sonhos, contra o materialismo burguês e de encontro ao Iluminismo. Nesses romances aquelas convicções mais simples do pensamento cartesiano, racionalista são postas em dúvida em detrimento de um discurso do sentimento, o qual, ora choroso ora violento, é freqüentemente exagerado na sua representação das emoções. À luz de uma filosofia da literatura, o romance gótico levantou questões que desafiaram o projeto das Luzes ao expor, até certo ponto, a natureza caótica do mundo e a contingência da vida. Ao se encarregarem de uma disposição existencial mais lúgubre, tais romancistas estabelecem um caminho para o surgimento da psicanálise do século seguinte, apresentando em suas narrativas a divisão ontológica do ser humano em duas grandes matrizes constitutivas: às vezes equilibrado, racional, harmônico (clássico) e às vezes exaltado, sentimental, excessivo (então gótico, ou possivelmente barroco).
Em oposição à filosofia neoclássica, de procedência aristotélica, os autores góticos investiram na criação de imagens obscuras e representações simbólicas. O medo e o anseio pela morte foram temas centrais nessas narrativas cujos enredos oscilavam entre a realidade verificável e a aceitação de um mundo sobrenatural. O romance gótico catalisou imagens que reaparecerão, devidamente adaptadas, no romance histórico do século posterior. Alguns exemplos recorrentes dessas imagens iniciais são: abadias decadentes habitadas por clérigos maléficos, castelos sinistros onde aristocratas tirânicos vivem isolados da sociedade como um todo. Dentro desses cenários é possível que portas que se fechem misteriosamente e velas se apaguem com uma súbita rajada de vento ao se caminhar em corredores escuros. Enquanto isso, pessoas se locomovem através de passagens secretas ou se escondem em úmidos recintos subterrâneos. Contrapondo-se a essas ambientações internas, geralmente tensas e claustrofóbicas, também são freqüentes nesses romances as representações da Natureza, mas o interesse por tais temas naturais não foi exclusividade da narrativa gótica.
O culto à Natureza, que já estava presente nas obras neoclássicas, foi uma característica comum a diversas obras do período, supostamente gerada pelo desenvolvimento científico e pelo crescimento das cidades.[1] Todavia, no caso específico dos romances góticos, além do habitual cenário pitoresco, as paisagens externas traziam visões sublimes, ou seja, o arrebatamento pelo poder e pela grandiosidade dos elementos naturais. A Natureza nos romances góticos freqüentemente se reveste do sublime, ou terror, cujo efeito é alcançado por uma retórica do excesso, uma linguagem hiperbólica com ênfase adjetival que torna o cenário intimidante: vastas paisagens, montanhas, abismos, vulcões, tempestades, mares revoltos, cachoeiras trovejantes, florestas escuras nas quais bandidos cruéis espreitam e as heroínas perseguidas temem (e leitores desejam) que o pior lhes aconteça.
Entram em cena as transgressões sociais em suas formas hediondas: incestos, parricídio, fratricídio, sodomia, estupros, torturas, assuntos pelos os quais a Europa do século XVIII parecia sentir uma atração inconfessável e experimentava um estranho prazer em vê-los insinuados ou realizados, ainda que somente na imaginação. Como regra geral, o romance gótico inglês do século XVIII, ou pelo menos aquela ficção considerada mais refinada e moralmente correta, ou ainda, aquela que caiu no gosto da burguesia e se tornou “canônica” (sendo fundamentalmente uma literatura marginal), primou pela cautela e suavidade no trato dos temas hediondos. Nas narrativas inglesas o terror e os crimes eram sugeridos, mas quase nunca levados a cabo. O auge dessa expressão “sutil” do modelo inglês são os romances de Ann Radcliffe, os quais, apesar da admirável prosa poética, não cumpre a contento as possibilidades mais radicais abertas pelo romance, seu foco obviamente era outro. A primeira exceção a essa afirmação geral sobre a cautela do gótico inglês é o romance The Monk, de Matthew Lewis, todavia, é sabido que este preferia as narrativas alemãs, as quais não eram conhecidas por “góticas”, mas por Ritter, Räuber und Schauerroman, sendo histórias mais incisivas e violentas na abordagem das transgressões.[2]
Joyce Tompkins [3] afirma que não é necessária a distinção entre os diferentes góticos que proliferam na Europa, devido à influência mútua entre os países. De fato, houve uma grande interação literária nesse período, o rompimento com o Iluminismo promovido pelos dramas alemães, conhecidos por Sturm und Drang, o romance Die Räuber (1781) de Schiller contém algo dos elementos de terror gótico, abordando o zeitgeist rebelde e atormentado da época. As obras de Goethe, mais especificamente, Die Lienden des jungen Werther (1774), Die Braut von Corinth (1797) e Faust (1808,1832) foram extremamente populares no período. Os alemães leram e se apropriaram de Shakespeare, Rousseau, James Mcpherson, o forjador de Ossian, e Edward Young, um dos graveyard poets, e por sua vez influíram nas obras de Coleridge, Wordsworth e Byron. Na França, o roman noir de Abbé Prévost foi extremamente popular na década de 1730. O romance Histoire du Chevalier Des Grieux et de Manon Lescau (1731) foi apreciado por Richardson, que ao mesmo tempo em que se apropriou dos incidentes extraordinários, do tratamento dado ao amor, dos elementos melodramáticos, suavizou a sexualidade mais visível para o leitor inglês. Os romances libertinos do marquês de Sade, da metade final do século XVIII, representam o extremo mais radical de uma sexualidade brutal, do irracionalismo das paixões e dos monstros da natureza humana. Do ponto de vista da filosofia, a exploração dos limites do racional/moral promovida pelos romances sadianos faz os terrores do gótico inglês parecerem meros contos da carochinha. A École Frénétique, assim cunhada por Charles Nodier em 1820, a qual tematizou o ateísmo, a exumação de cadáveres pra assustar os vivos, o insano e o horror presente nos sonhos, também capturaram essa atmosfera “gótica” que pairava sobre a Europa. Extrapolando a fronteira da literatura, pode-se citar a pintura de Goya como entretenimento para um público que gostavam de fantasiar com as possibilidades mais terríveis, embora não planejasse vivê-las ou senti-las na pele.
Entretanto, ainda que as obras mencionadas acima possuam elementos em comum com o romance gótico, principalmente aqueles que fazem parte do espírito de uma época, nenhuma delas é estritamente “gótica”, já que no contexto histórico que estamos tratando aqui esta é uma nomenclatura que se refere somente às narrativas inglesas. De modo geral, a ficção inglesa possui certas peculiaridades, como o gosto pelo thrill, ou frisson, que não ultrapassa as fronteiras de uma certa compostura, ou quando mais raramente o faz desloca ação para outro país, de modo a questionar os costumes das nações estrangeiras. O foco dessas obras obviamente não era inflamar as controvérsias diretamente, mas principalmente entreter o leitor e, ao final, confirmar a ordem burguesa. Creio que a proposta de Tompkins pertence a um outro momento e necessita ser revista à luz da crítica atual. Entendo que a unificação achata as características individuais de cada país, pois confere ao gótico inglês características que não são suas e impõe uma definição inglesa a obras que pertencem a tradições diferentes. Podemos tomar como exemplo de uma narrativa fantástica que faz parte de uma tradição diferente da gótica, Le Diable Amoreaux (1772), de Jacques Cazotte, uma história necromântica na qual o protagonista, don Alvare Maravillas, invoca o diabo em um ritual de magia. Este o atende na forma de uma monstruosa cabeça de dromedário, a qual Alvare pega pelas orelhas, subjugando-a e fazendo o diabo se transmutar em um cãozinho. O demônio, supostamente enamorado, passa então a obedece-lo e segui-lo por toda parte, agora transformado em Biondetta, uma ninfeta loira que se passa por mancebo escudeiro. Entre transmutações, confusão mental e distorção da realidade, a atmosfera onírica prevalece durante todo o texto. Os paradigmas estabelecidos por esta narrativa pertencem à outra vertente de histórias irracionalistas a qual ecoa na obra de autores como E.T.A. Hoffman, e o seu Der Sandmann (1816), e Die Verwandlung (1912), a metamorfose de Kafka.
Enquanto fenômeno comercial o gótico, essa ficção pré-romântica e pseudomedieval, foi intensamente produzida e avidamente lida na Inglaterra do final do século XVIII até o começo do século XIX. Durante o período os romances góticos haviam se tornado voga e obsessão entre um público leitor que não se cansava de consumi-los. A publicação desses romances havia virado um negócio rentável para livreiros e escritores profissionais constantemente ocupados em suprir a demanda de um número crescente de leitores e em prover lançamentos para os gabinetes de leitura.[4] Mas o ciclo de prosperidade teve curta duração. O romance gótico alcança seu auge na década de 1790, com a publicação das obras que consolidam suas características principais.[5] Todavia, ao final da próxima década esses romances já eram tido como um produto literário “obsoleto”, criticado em seus aspectos mais extravagantes. O grande sucesso de público deu início a uma série de lançamentos do mesmo formato. O furor desencadeado pela ficção gótica ocasionou uma produção enorme, em sua maioria direcionada para venda e com pouca preocupação por inovação literária. As imagens e símbolos usados pelos autores para a criação de efeito (ruínas, monastérios, castelos, labirintos, igrejas), as ambientações em países distantes e católicos, a donzela em perigo, seriam exemplos desses lugares comuns. Primeira literatura pré-fabricada da História, a saturação da produção, a complexidade e previsibilidade dos enredos seriam os motivos para o declínio desse gótico passível de formularização, em função de uma literatura vitoriana de aspectos mais referenciais e contemporâneos. Esse gótico reaparecerá no romantismo do século seguinte fornecendo (1) quase uma cartilha para uma estética de efeito, (2) um inventário de objetos e situações e (3) a relação psicológica do homem com aquilo que ele considera o mundo exterior, embora o entendimento da cultura e da História já tenham mudado.


[1] Em meados do século XIX Ruskin afirma que o culto setecentista à Natureza provém da urbanização e do desenvolvimento tecnológico ocorrido no período. De acordo com o autor, as pessoas passaram a idealizar ou “romantizar” a Natureza quando foram moram em cidades. Ver: John Ruskin. The Stones of Venice. 3 vols. London: George Allen,1905.
[2] Segundo Hans-Ulrich Mohr o termo “gosticher Roman” só foi aceito recentemente por acadêmicos alemães trabalhando na área de literatura inglesa e norte-americana. Ver: Hans-Ulrich Mohr. “German Gothic”. IN: The Handbook to Gothic Literature. New York: New York University Press, 1998. (pp.63-8)
[3] Ver: J.M.S Tompkins. The Popular Novel in England, 1770-1800. London: Methuen & CO LTD, 1961.
[4] Ciculating libraries, bibliotecas circulantes, ou gabinetes de leitura foram negócios montados para atender aqueles leitores que não podiam comprar livros (artigos caros na época) mas podiam alugá-los. A Minerva Press (1791), de William Lane, foi a principal editora desses romances “genéricos”, freqüentemente criticada pelo seu catálogo composto por obras menores e por usar em seus livros material de baixa qualidade. Potter traça uma diferença entre os romances escritos com intenção artística e aqueles romances feitos somente para vender (a grande maioria), chamando os dois tipos respectivamente de “arte e comércio”, art and trade. Ver: Franz Potter. Twilight of a Genre: Art and Trade in Gothic Fiction 1814-1834. Tese de Phd, University of East Anglia, 2002.
[5] Estes são os principais romances da década: A Sicilian Romance (1790), The Romance of the Forest (1791), Castle of Wolfenbach (1793), Caleb Williams (1794), Mysteries of Udolpho (1794), Montalbert (1795), The Mysterious Warning (1796), The Monk (1796), The Italian (1797), Clermont (1798), The Orphan of the Rhine (1798) e St Leon (1799).

20060111

Os Vilões Góticos (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

Como o cenário dos romances góticos raramente é a Grã-Bretanha, a representação usual da Natureza é orientada pela geografia estrangeira. Deslocar as ansiedades no tempo e no espaço seria uma maneira de projetar no “outro” assuntos que a tradição protestante21 não queria abordar em seu próprio território. Essa transferência presente no romance gótico dirige-se a questões de estética e política desencadeadas pelos episódios revolucionários na França em 1789. Os romancistas ingleses interpretavam os acontecimentos na França à luz da sua própria história, considerando a Revolução Francesa como uma perpetuação tardia da sua reforma burguesa de 1688, a qual limitou o poder monárquico subjugando-o ao parlamento. Tais histórias de horror eram ambientadas principalmente da Itália, mas também na França e na Espanha.
O romance gótico expõe suas contradições ao tentar reunir uma escala de valores burgueses, a exemplo do sentimentalismo, virtude, domesticidade e família, somados a um entusiasmo pela arquitetura medieval, os costumes e valores aristocráticos, expressando uma admiração por um mundo feudal que era ao mesmo tempo fonte de autocracia e barbarismo. Essa ambigüidade levou os romancistas à criação de vilões malignos, freqüentemente aristocratas ou clérigos, que personificavam essa relação dúbia e imprecisa. Os eventos que ocorrem nos romances góticos são comumente representados de maneira irônica. Essas demonstrações contra as iniqüidades das nações estrangeiras foram um clichê para o leitor inglês do século XVIII. Por esse ângulo, o romance gótico pode ser considerado um romance nacionalista, proclamando seu ufanismo através da noção de alteridade presente na história, a qual contrasta com a crença nas instituições inglesas e seus os valores civilizados.
A obsessão gótica com o clero católico e a aristocracia, enquanto depositários de maldade, representaria esse perigo que vem do exterior. Os romancistas ajudaram na criação de uma identidade nacional por meio de uma dicotomia que opunha uma multidão de leitores ingleses e os infames personagens católicos e continentais. “ ‘Your picture is complete’, said he, ‘and I cannot but admire the facility with which you have classed the monks together with banditti’ ”. (The Italian, p.50), palavras do padre Schedoni, suplantando o jovem herói Vivaldi na retórica e relativizando as certezas dos leitores. Somente os vilões góticos são capazes de cometer maldades tão grandes e ainda assim manter a majestade nas atitudes. Em Northanger Abbey (1818), Jane Austen destaca os limites dessas convenções criadas pelo romance gótico, reescrevendo-as ao seu modo idiossincrático. Ainda no auge da produção gótica, Austen expõe a estrutura desses romances satirizando seus aspectos estereotipados.22
O leitor geralmente escolhe os lados a partir da primeira descrição, ao ser feito cúmplice de um certo ponto de vista. Freqüentemente mais velho e mais experiente do que o herói e a heroína (como as nações românicas em relação à Grã-Bretanha) o vilão tem a compleição física descrita como escura, de pele morena e cabelos pretos, geralmente há algo de magnético ou perturbador nele. Chamar atenção para tais características seria uma maneira de propor contraste com o tipo claro inglês. Esse gancho inicial serve para introduzir uma afirmação nacional, na qual o narrador utilizará imagens e sutilezas lingüísticas objetivando criar uma afinidade com os leitores. A aparência do padre Ambrosio em The Monk (1796)23 exemplifica esse costume retórico:
He was a Man of noble port and commanding presence. His stature was lofty, and his features uncommonly handsome. His Nose was aquiline, his eyes large black and sparkling, and his dark brows almost joined together. His complexion was of a deep but clear Brown; Study and watching had entirely deprived his cheek of colour. Tranquillity reigned upon his smooth unwrinkled forehead; and Content, expressed upon every feature, seemed to announce the Man equally unacquainted with cares and crimes.
(The Monk, vol. I, capítulo I, pp. 8-9)
Ambrosio personifica o estereótipo físico do homem mediterrâneo e, ainda que nesse momento no romance ele seja jovem, toda a sua vileza irá se revelar. Sua respeitável pessoa pública contrasta com a intimidade depravada (a questão do duplo ou doppelgänger, notavelmente sintetizada em 1891, por Oscar Wilde, em The Picture of Dorian Gray). A corrupção do vilão, aliada à sua natureza arrebatada e obsessiva, propensa a acessos de fúria, é uma constante em quase todos os romances góticos. Apesar do autocontrole estudado dos antagonistas, eles são naturalmente agressivos e esse ardor incontrolável vai transparecer sob o verniz da aparência equilibrada, levando-os do “summit of exultation to the abyss of despondency” (The Romance of the Forest, p.317) - note-se a metáfora com a Natureza aqui. A inclinação dos vilões para a violência, a imoralidade e os maus-humores em geral dá suporte à idéia central na construção da “alteridade” como característica do gótico. O modo como esses romances debatem a alteridade e as diferenças é demonizando o outro. Mas ilustrar o “outro” de modo degenerado tem suas implicações. Supostamente, isso levaria os leitores a crerem na, ou ao menos a refletirem sobre a idéia de “retidão” moral e decência de princípios da nação inglesa, na qual, “virtude” seria um código para “civilização”. É por esse ângulo que os romances góticos contribuem para a construção de uma identidade nacional e institucional britânica. Em última instância, se dirigindo à questões de nacionalidade pela promoção de distinções raciais, culturais, religiosas e institucionais, os antagonistas cumprirão o seu papel. Como se espera, os vilões têm uma personalidade enganadora, a marca da sua esperteza. Seu comportamento e discurso se adequam à situação, o antagonista gótico lança mão de intimidações, truques e até elogios para alcançar seus objetivos. Impulsionado pela desonestidade, Schedoni adota um tom suave com a Marchesa di Vivaldi.
- To what do you allude, righteous father. enquired the astonished Marchesa; .what indignity, what impiety has my son to answer for? I entreat you will speak explicitly, that I may prove I can lose the mother in the strict severity of the judge.
- That is spoken with the grandeur of sentiment, which has always distinguished you, my daughter! Strong minds perceive that justice is the highest of the moral attributes, mercy is only the favourite of weak ones.
(The Italian, vol. I, capítulo X, p. 111)
A cena exemplificaria como Schedoni se apropria do jargão sentimental da heroína e o usa em seu próprio benefício. Sua destreza retórica induz a Marchesa a juntar-se a ele e apoiá-lo em seus planos. No nível da narrativa, a imitação do discurso ingênuo do herói e da heroína pelo vilão revela a habilidade da própria Radcliffe, que neste momento está expondo sua estrutura com uma pequena provocação, talvez demonstrando que atributos morais são antes uma pose que se adota do que sentimentos legítimos. No vilão, esse tipo de maldade, voltada para o interesse próprio, está largamente relacionada ao estudo da história da Serenissima Republica veneziana, então um exemplo típico de despotismo e oligarquia fora do Oriente.24 A “república” veneziana prosperou utilizando práticas baseadas na escravidão, na intermediação de finanças e no totalitarismo político. Em parte, os romancistas góticos ajudaram a construir esse leviatã, capitalizando suas histórias nas implementações estadistas que se originaram do mercantilismo veneziano. Textos como O Príncipe (1513), de Maquiavel, também contribuíram para essa estereotipização dos italianos, freqüentemente representados como pessoas obscuras e enganadoras. Shakespeare também utilizou o tema em Othello, the Moor of Venice (1601) e essa idéia permaneceu até, pelo menos, a releitura gótica de Schiller sobre o assunto em Der Geisterseher (1786-9), publicado em três partes durante três anos. Em 1792, Heinrich Zschokke criou um antagonista de vida dupla que era, paradoxalmente, aristocrata e mercenário. Abällino der grosse Bandit, é um conto do tipo gótico que foi traduzido do alemão para o inglês por Matthew Lewis, passando a se chamar The Bravo of Venice (1805). Essa história reafirma o papel de Veneza como um centro de corrupção política e de traição, mas também enfoca uma mudança notável na identidade típica do vilão. O personagem duplo Abellino/Flodoardo representa simultaneamente o lado escuro da nobreza e a sede por aventuras, ele é um caçador de fortunas e um empreendedor, de uma maneira burguesa.
Nesse sentido, o italiano funciona como um depositário de apreensões sociais, flutuando entre o aristocrata perverso e o burguês maléfico (ou ambos, como no caso de Zschokke), dependendo do ponto de vista do autor. Entretanto, como Fred Botting aponta, os vilões raramente são a causa da maldade por si só, pois o autêntico vício é identificado como um problema institucional,25 e não do indivíduo. O poder da ideologia política e cultural de Veneza alcançou a Idade Moderna, mesmo após a Serenissima ter se extinguido. Contraditoriamente, esse método veneziano tornou-se o mesmo adotado no projeto imperial da Grã-Bretanha, encapsulado no lema dividi et impera (divide e governa). No século XIX, o leão alado da Piazza di San Marco tornou-se o leão britânico, a serviço da rainha, presença sempre vigilante em inúmeros prédios públicos e outros edifícios espalhados por Londres.26
Olhos vigilantes foram um símbolo preferido desse comportamento autoritário, um atributo particularmente apropriado para lidar com temas relativos ao poder, à opressão e tirania. Olhos ameaçadores eram uma característica comum empregada na representação desses degenerados banditti que “seemed to penetrate, at a single glance, into the hearts of men, and to read their most secret thoughts; few persons could support their scrutiny, or even endure to meet them twice”. (The Italian, p. 35).
Nos romances góticos, é comum achar exemplos de intimidação na forma de olhos ou olhares temíveis. Ambrosio, em The Monk, exibe “a certain severity in his look and manner that inspired universal awe and few could sustain the glance of his eye at once fiery and penetrating” (p. 9). Melmoth possuía “a full-lighted blaze of those demon eyes” (Melmoth, the wanderer,1820, p. 12).27 O califa Vathek (Vathek, 1786)28 era uma figura agradável, mas quando enraivecido “one of his eyes became so terrible, that no person could bear to behold it” (p. 2). É curioso que Vathek pareça ter apenas um olho atemorizante, talvez parte do humor beckfordiano que ri da natureza ciclópica de governos totalizadores e autoritários. Adiante ele comenta sobre as pretensões intelectuais do califa e o tratamento que dava ao sábios: “He was fond of engaging in disputes with the learned, but did not allow them to push their opposition with warmth. He stopped with presents the mouths of those whose mouths could be stopped; whilst others, whom his liberaty was unable to subdue, he sent to prison to cool their blood; a remedy that often succeeded” (p. 3).
Como foi mencionado, os personagens góticos em geral não são psicologicamente desenvolvidos ou aprofundados, a grande maioria permanece imutável em suas resoluções durante toda a história. Seus pensamentos raramente são desvelados e suas vozes são ouvidas apenas em diálogos. Em parte pelo uso da terceira pessoa, em detrimento da primeira, que torna a leitura uma experiência menos dramática. Apesar das incursões subjetivas não serem levadas adiante, talvez os vilões possam ser considerados os únicos personagens que passam por um conflito interno. As pobres deliberações psicológicas (um retrocesso em relação a Lovelace) tornam-se mais evidentes durante a punição dos vilões, quando suas personalidades oscilam entre o pecado e a absolvição. Infelizmente, toda a audácia que os vilões demonstraram ao longo o romance acaba invariavelmente subjugada. É a minha opinião que algumas das excelentes construções dos vilões góticos é prejudicada pelo arrependimento de teor puritano na exoneração final.
Apesar de conseguir envenenar seu rival, um fraco e moribundo Schedoni termina sua participação como um vilão dobrado pelo arrependimento. Destronado, Manfredo (The Castle of Otranto, 1764) também se arrepende de sua vileza e se retira para uma vida de reclusão. O califa Vathek culpa sua mãe por ter insuflado a ambição desmedida em seu coração, mas seu arrependimento chega tarde, pois seu coração arderá para sempre no inferno de Giaour. O padre Ambrosio, que vendeu sua alma ao capeta, também se acovarda diante do fim e pede pela clemência divina. O demônio, enfurecido com seu tom choroso, leva-o para um vôo vertiginoso e joga-o das alturas. Em agonia, ele é deixado para à morte, por sete dias, empestado por moscas e aves carniceiras, até que uma tromba d’água finalmente leva seu corpo embora. Confissões públicas, revisões de consciência e arrependimentos finais distorcem a construção das histórias empurrando-as para desfechos moralizantes. A fim de restabelecer o equilíbrio no tecido social, para o gótico clássico inglês não basta apenas punir a maldade, mas é necessário que haja uma demonstração penitente, antes que se encerre a participação do antagonista, no intuito de assegurar as condições éticas no final. O arrependimento do vilão, seguido da declaração de mea culpa, prevalece nesses romances, apesar das pequenas variações em relação à maneira na qual o arrependimento acontece.
Enquanto reação contra o poder internacional representado pela Igreja Católica, o arrependimento do vilão reafirma os princípios políticos, sociais e religiosos seguidos pelos britânicos; ratificando a idéia de construção nacional através da oposição de valores e de culturas. Essas acomodações narrativas, por vezes apressadas e desajeitadas, parecem refletir as soluções políticas adotadas na Grã-Bretanha daquele período, as quais afirmaram e equilibraram os interesses monetários e os interesses fundiários, assegurando-lhes maneiras de se manter no poder.29

Invisible Cities: labyrinths of reality (Daniel Serravalle de Sá, 2006)


“It is the desperate moment when we discover that this empire, which had seemed to us the sum of all wonders, is an endless formless ruin.”

Italo Calvino

In Invisible Cities (1972), Italo Calvino seems to contrast a rigid outline structure with a flexible textual content. The tension comprised by the numerical structure proposed in the index; stand out against the set of fluid texts which make up the subject matter of the book. The opposition between form and content seems to point to a fruitful dichotomy in the conception of the novel, linking to the aesthetics and the theories of the open work. This essay will try to investigate the structural construction of Invisible Cities by looking at its index, seeking to discuss some models of formalistic representation proposed by the criticism and the specific contribution they may, or may not, provide. Aiming to uncover possible meanings which may arise from the debate, this text will question to what extent structural complexities can be considered literary if they are not ultimately related to the culture in which a text is found.

The uses of the index as reading possibilities

By checking the index, the reader will detect a total of nine chapters in the book. A more detailed inspection will reveal an interesting progression of titles and numbers. The observer will notice this succession follows an orderly sequence and a keener eye will spot the use of a substitution principle. The criterion employed by the author is surely no random coincidence; on the contrary, it is indicative of a method applied in the formal organization of the book. Whether the reader chooses to explore it by examining the texts under the topics proposed (e.g. Cities & Desire, Cities & the Dead, etc.), or by analysing all the narratives which fall under a specific number on the index (according to the sequence 54321); Calvino’s Invisible Cities seems to unlock its texts to a range of possible ways of reading.

Although the book has the potential to be read in many directions, the concepts of what is known as “linear” reading is not completely discarded. This means that Calvino does not trespass all the fixed rules of narration and the realistic conventions; the encounter between Marco Polo and Kublai Khan persists as a solid foot in the historical realm. At the same time he conforms to a chronological past, Calvino also invests in the potential of the words, exploring the world through projections “in negative” and inverted mirrors-images. Building alternative realities, balancing the real and the fantastic, his art of narration constitutes a magic world of kaleidoscopic visions. Invisible Cities has often been compared to a hypertext, because it works in a connective style and may be approached like links on a web page. Having Umberto Eco’s book on the poetics of the open work as a stepping stone, Teresa de Laurentis refers to the “project” of the contemporary art work as being the use of “techniques of discontinuity and indetermination for the purpose of generating open series of performances or interpretations by the reader/listener/viewer”1.

The entrances to the book are many, as its’ fascicular disposition allows the blocks to be atomised without loss for its entirety. The index certainly provides a good way in, leading the reader to any combination of chapters and freely connecting within the work. But Invisible cities could not truly be called a hypertext if it did not also made way to extra-textual universes. The novel links to the work of other writers such as Borges, Cortázar, Pávitch, who also created literary games pending towards the multiplicity of realities, or a multi-linear2 text, intending to create new ways of expression. Calvino’s apology to the novel as a network in Invisible Cities seems to have been textually captured in the cities of Octavia, the spider-web city hanging over an abyss awaiting for its destruction; and in the city of Ersilia3, a ghost-town where all is left are strings indicating the connections among the people who once dwelled there. Ersilia is “a spider-web of intricate relationships seeking a form”.

In essence, Calvino’s procedure consists in using a “framework” to bring together the short narratives which form the book, giving a sense of closure. At the same time the disposition of index corroborates to recombine the texts, and multiply the interpretations; it also restrains the digressions, giving the texts limits and a sense of a unified, closed system. Calvino’s structural approach to the composition of Invisible Cities is an aspect often pointed out by the specialized criticism; it also constitutes an important characteristic of his other works. His interest in literary texts, which are somehow subject to a mathematical order, derives primarily from his associations with OULIPO group (Ouvroir de Littérature Potentielle), the influence of the structuralist theories of Vladimir Propp, and the early works of Roland Barthes.

Calvino became interested in experiments which dealt with narrative technique, structure and linguistics due to his involvement with Raymond Queneau and Georges Perec, who were members of OULIPO, a group which applied the principles of mathematics and science toward the generation of a new literature. Calvino translated the experimental work of Queneau, Les Fleurs Bleues, to Italian, becoming, I Fiori Blu (1967)4. This association played an important part in his formation as a writer, and although he seems to diverge from it later in life, it certainly remains an influence for all his posterior output. Earlier in the 1960s the studies of Vladimir Propp, on the morphology of Russian folktale, were starting to become known among European and American scholars. Propp’s analysis of the structure of the folklore genre, revealing common basic traces among them, had a great impact on several areas of study, making way for the development of news investigations in areas such as Anthropology, Linguistics, and Literary Theory. According to MacLaughlin5, Calvino’s own interest in Italian folktales had also alerted him to similarities in the structure of all stories, making the author realise the important part structure had in the construction of texts.

The author Allain Robbe-Grillet and the critic Roland Barthes, in their respective works with the noveau roman and Le Degré Zéro de l'écriture (1953), advocated a fresh literary aesthetics, pursuing a fiction that did not breast-feed the readers (writing based on verisimilitude and omniscient narration), but provided only the observable elements from which the experienced readers could draw their owns interpretations. Calvino was also interested in the studies of Ferdinand Saussure, whose science of Semiology, or the language of signs, had an impact on his 60’s texts. According to Markey6, the author was later on influenced by Jacques Derrida’s poststructuralism theories and its sceptical critique of language as holder of the ultimate truth.

Although the origins of his affinities with scientific models are well documented; critics have been divided over the significance of mixing the preciseness of mathematics with the imaginary spirit of literature. The explanations about the significance of Calvino’s craft are frequently contradictory. Angela M. Jeannet claims that “through the intricate pattern of numbers, words, lines, and blank spaces Calvino is hunting for the food that feeds another human hunger, the need to make sense of the world”7. Jeannet defends the presence of a methodical structure set up in the index as the writer’s attempt to support, interpret and explain what is visible in human _expression. In other words, the mathematically constricted text would be a celebration of the signs, symbols, and logic devised by humanity to read the world.

Kathryn Humes refutes this explanation, coming up with a different reason to explain why Calvino employs such artifice. She believes the pattern to be clearly arbitrary, as it, at first, offers an “exceptionally orderly world”, but the “seriality embodies no values of beauty or taste; it is post-humanist and denies the network of cause and effect upon which our normal sense of order depends”8. Hume claims the division/units proposed in the index are just generic names and numbers, evidently interchangeable among each other and without a sense of purpose. “The overt orderliness is deceptive”, she states. Alternatively, she proposes the cities themselves as the bottom line of Calvino’s system, claiming the existence of “minimal units” within the text, which correspond to the appearance of repeated ideas or images throughout the book. Quoting Baker, she reinforces her incredulity about the form being an attempt at miming the reality of human _expression and communication. She concludes with Baker’s words: “the precision of structure set down in the index is itself a concise comment on the contradictory nature of any attempt to give meaning to the labyrinth of reality”9.

20060110

Gothic Conventions (Daniel Serravalle de Sá, 2006)

There is a relative consistency of conventions that make the gothic novel recognisable as a distinct genre. The gothic novel is a hybrid manifestation, a link between novel and romance, in which an atmosphere of mystery, thrill and terror pevails. This pre-Romantic, pseudo-medieval type of fiction was intensely produced and avidly consumed from late 18th century to early 19th century. By taking its inspiration from medieval constructions and exploring a darker side of Nature, these novels put in doubt the certainties of Cartesian thought. Investing in a more gloomy disposition to overcome the sentimental/rational discourse, gothic novels presented a literary problem which challenged the project of Enlightment.

In opposition to neoclassical philosophy, these novelists invested in obscure images and symbolic representations such as: disintegrating abbeys where malevolent priests dwell, sinister castles inhabited by tyrannical aristocrats, people moving through secret passages and hiding behind concealed doors, dark forests where bandits stalk, sublime sights of vast wilderness where persecuted heroines fear the worst.

Fantastic literature[1] in its origins can be traced back to the popular and oral tradition, stemming from myths, legends and folklore, these narratives set foot in the 18th century by means of a literature of the irrational and the terror. In its European forms the fantastic novel seems to stem from a French branch, represented by Jacques Cazotte's Le Diable Amoreaux (1772), and an earlier English branch started by Horace Walpole and The Castle of Otranto, a gothick story (1764-5). This last novel is considered to be the founder of the branch we intent to apprehend for discussion. [2]

Semantically the term "gothic" needs some attention, as it meanings will vary depending on the context it is brought up. Initially, the adjective referred simply to the tribes that lived near the Danube and which helped to overthrow the Roman Empire. But at the same time it also meant anything that denoted medieval or post-roman. In that sense, keeping these two ideas in mind, the word “gothic” begun to be constructed in the decades following the Glorious Revolution (1688), coming into being as a controversial category.

It was an attempt by the English to distinguish themselves from a Greco-roman culture, designating an idealised democratic and freedom-loving British heritage, basing these suppositions on a historical registry which could be found in the Gothic architecture.[3] Despite this more positive interpretation, gothic also stood for antiquate, barbarous, feudal, irrational, chaotic, non-civilised. In short, the opposite of “Classical”. These two meanings were object of dispute, signalising conflicting political stands, that only found a clearer formulation much later, summarised in conflicting positions.

Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France (1790), used the metaphor of a ruined gothic castle in support of the English heritage and monarchy.[4] His point of view was connected to an aristocratic or conservative part of the society. Defending long-standing, ancient relations within the social fabric, he expressed a rejection of the revolutionary upraises in France. On the other hand radicals as Thomas Paine, William Godwin, Mary Wollstonecraft, defended a gothic associated to a despotic government, arbitrary power and aristocratic hereditary privileges. For them it represented worn out ideals that could no longer exist in the new world that was being formed. This approach was related to the Whig party, the middle class and the row of society who shared a progressive opinion. The political tension and duplicity these ideas raised reflected in literary grounds.

From the aesthetics perspective contesting the supremacy of neo-classic ideals, exploring sensorial aspects of human sensibility that were placed aside by the Enlightment, started to make way for a new “structure of sentiment”, in the expression of Raymond Williams. Letters on Chivalry and Romance (1760), by Richard Hurd, made apology to a re-appropriation of the past defending the rescue of links related to an old British legacy, the ballads, English medieval poetry, Spencer, Shakespeare and the Elizabethans. It was a reaction against the dominant Augustan principles, translated in the literary plan by Essay on Criticism (1711) by Alexander Pope, who defended a poetry based on control, reserve and reason. Also the graveyard poets, a marginal manifestation which took place around the 1740s decade, contested rationalism and the equilibrium upheld by the Illuminists, producing a poetry of defiance and divine inspiration, bringing into play the themes and settings which would become very dear to the gothic novels: death, graves, the night, fear. (Even though these elements were not a breakthrough to British literature and can be traced back to Shakespeare and further back to the popular imaginary)

A third element came to add to those renewed interest for things of the past, and to the admiration of that kind of melancholic poetry. The theory of the sublime traces back to a text frequently (but apparently wrongly) attributed to Longinus. In A Philosophical Enquiry into the Origins of Our Ideas of the Sublime and the Beautiful (1757), Edmund Burke provided a theory for the gothic machinery drew an aesthetic reading. The treatise which provided the foundation to establish relation between literature and terror, proposing an aesthetics constituted of vastness, obscurity, magnificence, ignoring technical perfection and the organic structure of neoclassic poetry and counteracting with the ideals of balance, harmony and rationality. Burke states that most of the ideas which are capable of making a strong impression on the mind may be reduced nearly to two heads: self-preservation and society. To the ends of one or the other, all our passions are calculated to respond. The passions that regard the preservation of the individual turn chiefly on pain and danger, and they are the most powerful of the passions. You could extract pleasure from experiencing a menacing situation from a distance. According to Burke it is possible to extract delight from terror.

These ideas, which were already present in his treatise, became clearer in his later discussion on the revolution. This nostalgia about the past and the lament for the end of the chivalric age constituted indexes of an idealization of a medieval era as an “organic” world in detriment of a modern bourgeoisie society.

As a reaction against the Humanistic beliefs and its narratives of progress, promoting changes by means of rational revolutions, gothic emerges to disturb the calm waters of realism, bringing about the fears that surrounded the upcoming bourgeois society. From the margins of a Enlightment culture, dramatising conflicts and uncertainties in face of a fast-changing social and economical world, gothic became the vehicle to address aesthetics and political questions raised by the 1789 issues in France. The English re-interpreted the ghost of the 1688 revolution through the French Revolution, displacing their anxieties to far countries and past times, making predominantly Italy, but also France and Spain, a scenery of horror stories.

The development of capitalism, in this period of internal realignment and external revolutions, would explain the success of this fiction which questions the constitution of “real”, making way for a blend of fear and attraction, anxiety and desire, which seems to have characterised the relations between bourgeoisie and aristocracy.[5] The gothic novel exposes its ambivalences, the intention of consolidating burgeoise values, like, domesticity, sentiment, virtue, family; side by side with a fascination for medieval architecture, customs and values. Expressing admiration for a feudal world which was at the same time a source of tyranny, barbarism, autocracy, this disapproval was projected in the creation of aristocratic or religious cruel and malevolent villains.

It was Sir Horace Walpole who first gave shape to a regicide narrative, a hybrid between old and modern, novel and romance, bringing about monstrous helmets, invisible hands, labyrinth-like dungeons, ghastly pictures, giant swords and all the paraphernalia which would make the success of the genre.[6] He coined the use of the word in literature by naming his narrative The Castle of Otranto, subtitle: a gothick story. A man of many interests among other things Walpole was a MP, occupation which at that point meant to be implied in the birth of capitalism, a stranger paternity which he seems to have abdicated later in life by retiring into his medieval world to his replica castle Strawberry Hill.

Thinking the gothic as a manifestation affiliated to the Romance tradition (or vice-versa), some system of codes (representation of time and place) and methods of composition (structuring and development) are shared between the two. The key elements of both traditions, which will be developed later, can already be found in Walpole’s five meagre chapters: a story set in past ages (often medieval) and in far away countries (usually Italy, Spain or France), stemming from the translation of a remote document or manuscript, the presence of vast and confined spaces, a narrative which progresses on an endless sequence of amazing circumstances, involving the heroine in breathtaking perils, lots of travelling around the country and the presence of a vicious villain. From this concise story, of simultaneous re-affirmation, in that sense paradoxical of aristocratic and individual values, the gothic romance would emerge as a hybrid form that blends idealised medieval proprieties with late 1800s manners and concerns.

His merit also consists of conscientiously mixing romance and novel, initiating what would be known as gothic fiction, but the story was considered far too incredible by his successors, and for that reason later authors chose to reform his unsophisticated dream-like tale. Clara Reeves’ The Old English Baron (1777) brought the novel back home and invested in a less extravagant, more down-to-earth romantic and melodramatic form. Other writers like Charlotte Smith and Sophia Lee, also pursued a more ‘domestic’ kind of writing, where the represented situations were far more probable and the supernatural circumstances were due to imaginary fears. But they also used heroines set in the Middle Ages or Renaissance, and represented the past in terms of a rational and moral present.

Interest in the Orient and in the depiction of “otherness” became popular in Europe with the translation of Les Mille et une Nuits early in the 1700, followed by Montesquieu’s Persian Letters (1721), Voltaire’s Zadig (1747) and the exotic American adventures Candide (1759). Attracted by the extravagant, stereotyped side of the Orient, William Beckford invested in a luxuriant portray of a despot to create his infernal narrative of the caliph, Vathek (1786), using the same gothic discourse to encode the foreign/aristocrat as corrupt and threatening.

A more established/consolidated gothic fiction came out with the publication of The Mysteries of Udolpho (1794) and The Italian (1797). It is generally accepted/considered that Ann Radcliffe’s writings stands for the zenith of a “canonised” gothic production. She certainly represents the heyday of a commercial gothic. “The great enchantress” had a prodigious imagination, she was acquainted with the works of those previous novelists who also developed the cult of suspense, and those who invested in sentimental stories, “persecuted innocence” and character, like Richardson and his infamous Lovelace. She masterfully used the Burkean thesis of sublime to achieve thrilling effects in her works.[7] In short, she kept the fire of gothic burning much more steadily than the candles in her novels, always blown out by a cold draft in a moment of excited apprehension, while sneaking in the damp corridors of haunted abbeys.

Her work influenced a subsequent generation of illustrious writers, namely Sir Walter Scott, Lord Byron, Charles Maturin and Charlotte Brontë. Quite conservative in her views, Radcliffe was not a writer who aimed at questioning the established order, and by the end of her romances she would have conveyed a message of bourgeois moral, naturalistic values and domesticity, according to the 18th century historical understanding. In between her two successful romances Matthew Lewis published The Monk (1796), which dialogued with her “explained supernatural” narrative solutions and as a result helped to consolidate the “core” of genre. Mathews trend of gothic fiction was based on the German type of novel, Schauerroman (horror-romance), introducing blunt terror and heavy handed violence to contrast with the subtle thrills of the Radcliffean mode. Still in the heat of the moment the Marquis de Sade, wrote his famous preface Les Ideés sur les Romans (1800), stating his preference for Lewis’ work and marking the tradition of linking the gothic romance to the French revolution.[8]

Jane Austin’s Northanger Abbey (1818) operates within the limits set by Radcliffe’s stories, parodying and exposing her structures. She satirizes the absurd fantasies of gothic romances and its taste for a imaginary universe in detriment of a realistic perspective. On the other hand, the book insinuates the contagious force of fiction in real life, manifested in the vicissitudes of Catherine Morland who surrounds herself with the, sceneries, moods, symbols, plots and all the conventions that make the gothic novel recognisable as such. Charles Maturin’s Melmoth, the wanderer (1820) is considered to be the last breath of this gothic era. Further landmarks of this “Gothic body” are Frankenstein (1818) and Dracula (1897) which exploited a more scientific and modern fear, involving the new gadgets and technology, like telegraphs and typewriters.

The decade of l790s was the gothic novel’s peak, it had become a vogue and an obsession among admires who could not seem to read enough of this genre. It had also developed into a very profitable business for booksellers and professional writers, who were kept constantly busy trying to meet the public demand and providing for the circulating libraries. This frenzy for gothic fiction occasioned an enormous production, most of it directed to boost sales with very little preoccupation for literary innovation. The popularity of Ann Radcliffe’s novels was attested by the many imitators of her work, who would change a few words in the title and come out with pearls like: The mysteries of the forest, the Monk of Udolpho, Italian Mysteries, or even pseudonyms as little original as Mary Ann Radcliffe.

The gothic novel was the space to discuss political questions, though, placing these anxieties in other countries and time. It embraced the liberal values of sentimentalism, virtue and family mingled with an aristocratic past; however, marked by refutation of tyranny, mishandling of power. In that sense, Gothic can be read as a reaction against industrialization and scientific revolution. However short lived, circumscribed by the temporal boundaries 1764-1820, the gothic phenomenon delineated a response to a mutating society in a specific period of time. In trying to conciliate these social disputes, the genre adopted the figure of a chivalric hero, a romantic knight who behaved according to the bourgeoisie values. His antagonist was the gothic villain, the embodiment of evil itself, representing the dark side of nobility and of the religious institutions. Many reasons are appointed for the decline of the genre as such, including misevaluation on the narrative’s complexity, making plots too intricate and confusing, along with an overexploitation of the genre by the increasing culture of consumerism.

[1] Tzvetan Todorov says that “fantastic” relates to a literary genre that raises ambiguities between reality and dream, that is, proposing a insoluble doubt in the nature of the events narrated, allowing both a rational explanation, or another one which presupposes the existence of the supernatural: “Le fantastique mène donc une vie pleine de dangers, et peut s’évanouir à tout instant”.

[2]
The French story, Le Diable Amoreux, will inspire Hoffman, Nerval, the onirical fantastic writers, from Nodier to Kafka. While from The Castle of Otranto will derive the literature of Ann Radcliffe, Charles Maturin, Bram Stoker, the gothic literature in the 19th century, as well as detectives stories and contemporary thrillers.


[3] The structural innovation promoted by gothic buildings constituted a technical advancement in relation to the Romanic form, bringing and end to dim churches. Liberating the wall for the penetration of light, high and sharp towers, broken arches are some of its distinctive features. This new conception, later denominated gothic, is attributed to the French abbot Suger (1081-1151), a Benedict monk from the church of St. Denis near Paris, who was searching for epiphany, or sublime elevation by painting coloured glasses and coloured afrescos.

[4] He believed that French monarchy was one of the best in Europe and its mistake was not to make concessions to the uprising bourgeoisie.

[5] Stefan Andriopoulos associates Adam‘s Smith's The Wealth of Nations (1776) to the gothic novel using the invisible hand as metaphor of intervening power. See: ANDRIOPOULOS, S. “The Invisible Hand: Supernatural Agency in Political Economy and the Gothic Novel,” ELH 66 (1999): 739-58. IN: http://www.lib.sfu.ca/researchhelp/subjectguides/pol/classes/poli033356.htm

[6] Victor Sage points to a discrepancy in The Castle of Otranto between the highly emotional subject matter and the dry, rational language employed by the narrative voice. SAGE, V. “The Gothic Novel”. IN: MULVEY-ROBERTS, Marie (ed.). The Handbook to Gothic Literature. New York: New York University Press, 1998. (p.82)

[7] She delighted in descriptions of scenery, usually drawn entirely from her inner consciousness but many painters receive mention in the novels of Ann Radcliffe. One of her references was Salvator Rosa, a 17th century Italian landscape painter, who created dramatic landscapes peopled with peasants and banditti. Like Ann Radcliffe, he intended to create a feeling of awe and sublime in the minds of his audience. The landscapes of another Italian artist, Giambattista Piranesi, also influenced many English Gothic writers, especially with his powerful black and white figurative engravings of Roman ruins, spectacular landscapes where banditti would lurk in ambush and his Carcieri fascinated the English mind.

[8] Sade preferred the philosophical debate to the aesthetics creation. From the point of view of debating with Illuminist, questioning the existence of God and the morals of sentiment, Radcliff’s naturalistic stories worked mere cautionary tales.