Thomas Foster. Para ler literatura como
um professor. Tradução Frederico Dentello. São Paulo: Lua de
papel, 2010.
Introdução: O acordo macabro.
Análise: A raisin in the sun (peça), de
Lorraine Hansberry. O senhor Lindner é o diabo. Os Youngers, uma família
norte-americana, de Chicago, deram sinal para comprar uma casa numa vizinhança
onde só moram brancos. O Senhor Lindner, um homem pequeno, lastimoso e
subserviente, foi enviado pela Associação de Moradores, com cheque em mãos,
para cobrir o valor que a família deu pela casa. Walter Lee Young,
protagonista, de início rejeita a oferta, confiante, acreditando que o dinheiro da família está garantido na
forma de uma indenização pelo seguro de vida recebido após a recente morte de
seu pai. Pouco tempo depois, no entanto, descobre que 2/3 desse dinheiro foi
roubado. Subitamente, a oferta antes ultrajante se configura como sua salvação
financeira. Na versão de Hansberry, quando senhor Lindner faz ao oferta, não
pede em troca a alma de Valter Lee. Com efeito nem mesmo sabe que está
reivindicando. Ele está, no entanto. Walter Lee pode ser redimido da crise
monetária que fez cair sobre a família. Tudo que precisa fazer é admitir que
não é igual aos moradores brancos que não querem que ele se mude para o bairro.
Seu orgulho e amor-próprio, sua identidade, podem ser comprados. Se isso não é
vender a alma ao diabo, então o que é?
A diferença chave entre a essa versão pacto faustiano e as
outras, É que Walter Lee resiste à tentação satânica. Versões anteriores foram
trágicas ou cômicas, dependendo se o
diabo tem sucesso em tomar posse da alma no fim da narrativa. Nesse caso, o
protagonista faz o trato psicologicamente, mas então, olha para si mesmo e para
os custos verdadeiros, e se recupera a tempo de rejeitar a proposta do diabo. A
peça resultante, em termos estruturais,
é cômica — a queda trágica que o ameaça, mas de que se esquiva — e
Walter Lee ascende ao patamar heroico ao combater tantos próprios demônios
quanto aquele exterior, Lindner, e sobreviria isso sem arruinar-se.
Como ler nas entrelinhas
A importância da linguagem de leitura. Estou falando de uma grande gramática da
literatura, um conjunto de convenções e padrões, códigos e regras que
aprendemos a utilizar ao lidar com uma amostra de texto. Toda linguagem tem uma
gramática, um conjunto de regras que governam os sentidos, a linguagem
literária não é diferente. Tudo é mais ou menos arbitrário, é claro, justamente
com uma linguagem em si. Como a pintura, a literatura também tem a sua própria
gramática. A gramática do ensaio. Você sabe ler, e parte de ler é conhecer as
convenções, reconhecê-las, antecipar resultados. Contos e romances têm um
conjunto muito grande de convenções: tipos de personagens, ritmos de enredo,
estruturas de capítulo, limitações de ponto de vista. As peças também. Enquanto
isso, há convenções que atravessam as fronteiras entre gêneros. A primavera é
bastante universal (associações: Juventude, promessas, vida nova, crianças).
Assim como a neve. Bem como escuridão. E o sono. Pergunta-se: como adquirir
conjunto de convenções, uma chave para literatura? Resposta: atenção voltada
para elementos da narrativa. De onde aquele efeito provém? Aqui esse personagem
se assemelha? Onde vem essa situação antes?Isso não aparece primeiro em Dante,
Chaucer?
Para pensar em símbolos.
Memória. Símbolo. Padrão. Eis os três itens que, mas que
quaisquer outros, separa um professor do resto da multidão. Professores de
literatura em ver ao vivo sofrendo a maldição da memória. Sempre que leio uma
nova obra, vasculho todas as fichas mentais em busca de correspondências e
inferências —Onde ver esse rosto? Não conheço esse tema?
Professores também leem e pensam de modo simbólico. Tudo é
símbolo de algo, e parece, até que provem o contrário. Perguntamos: isso é uma
metáfora, é uma analogia, o que significa aquilo ali? Grendel, o monstro do
épico medieval Beowulf, é de fato um monstro, mas também pode
simbolizar: a hostilidade do universo diante das extensão humana (uma
hostilidade que os anglo-saxões da idade média teriam vivenciado de modo pungente),
Uma escuridão na natureza humana que apenas algum aspecto mais elevado de nós
mesmos (como simbolizado pelo herói que dá título ao poema) pode subjugar. Essa
Predisposição a compreender o mundo em termos do simbólico é reforçada, é
claro, por anos de treinamento que estimula e recompensa a imaginação
simbólica. Profissionais de literatura aprendem a absorver os detalhes de
primeiro plano enquanto enxergam os padrões que os detalhes revelam. Assim como
a imaginação simbólica, isso decorre da capacidade de se distanciar da
história, de enxergar além do nível puramente afetivo do enredo, ação e
personagens. A literatura é repleta de padrões, e sua experiência de leitura
será muito mais recompensadora quando puder recuar um passo em relação à obra,
mesmo em controle, e procurar esses padrões. Sigmund Freud "leu" os
pacientes do modo como um erudito em literatura lê textos, usando mesmo tipo de
interpretação imaginativa para compreender casos que nós tentamos usar para
interpretar romances, poemas e peças. A identificação do complexo de Édipo é um
dos grandes momentos da história do pensamento humano, com relevância tanto
literária quanto psicanalítica.
Capítulo um: toda viagem é uma
aventura
Vamos pensar estruturalmente, uma aventura consiste de cinco elementos:
um aventureiro, um lugar para ir, uma razão declarada para ir lá, desafios e
provações no caminho, uma razão verdadeira para estar lá. A verdadeira razão da
aventura nunca envolve a razão declarada. Sabemos, entretanto, que aventura
educativo. Por isso os aventureiros são tantas vezes jovens, inexperientes,
imaturos, protegidos.
Capítulo dois: comunhão de vida
e morte
Toda vez que pessoas comem ou bebem
juntas, é comunhão. Várias vezes me deparo com olhar um tanto escandalizado,
tendo a palavra comunhão para muitos leitores um e apenas um significado.
Embora esse significado seja muito importante, não é único. Tão pouco, nesse
sentido, o cristianismo tem exclusividade sobre a prática. Enviar grau, toda
religião tem algum rito litúrgico ou social que envolve a reunião dos fiéis
para compartilhar nutrimentos. Assim, É preciso explicar, como intercurso tem
outros significados além do sexual, ou pelo menos teve em algum momento que nem
todas as comunhões são sagradas. Portanto, para colocar personagens nessa
situação mundana, desgastada e totalmente tediosa, algo mas tem que acontecer
além de apenas carne, garfos e taças. Exemplos: Tom Jones (1749),
de Fielding - Tom e a senhora Walters, João estou numa taverna, mastigando de
boca aberta, ruindo, chupando os ossos, lambendo os dedos, nunca se consumiu
uma refeição mais pública, espalhafatoso, clamorosa e, em resumo, sexual. Que
mais eu comer nessa cena se não consumir o corpo do outro? Em certos momentos,
não se pode mostrar abertamente o ato sexual. A comunhão não precisa ser
sagrada, nem mesmo decente. Em Catedral (1981), de Raymond Carver,
pensando em termos simbólicos os personagens fumam um baseado, uma substância
que dispõe cor numa experiência partilhada, quase ritual.
Um resultado diferente se dar numa
refeição fracassada, representa mau sinal. Duas pessoas vão jantar em uma
terceira indesejável aparece, então um dos dois primeiros ou ambos se recusam a
comer.Imediatamente sabemos o que penso sobre um intrometido. Pense em todos os
filmes em que um fundado dividir a ração é tratada com camarada, ou garoto, o
sanduíche com cachorro sem dono. Dessa esmagadora mensagem de lealdade,
generosidade, você tem uma noção de como é forte o valor que damos a
camaradagem da mesa.
Para chegar o efeito total de uma
refeição conjunta, considere o conto Os mortos, de James Joyce.
Esse conto maravilhoso gira ao redor de um jantar festivo na Epifania, no
duodécimo dia após o Natal. Todo tipo de motivações e desejos díspares
encenam-se durante as danças e o jantar,
hostilidades e alianças se revelam. Nenhum escritor jamais cuidou tanto de
comida e bebida, ordenou tanto as forças para criar um efeito militar de
exércitos estacionados para uma batalha: Classes, fileiras, extremidades rivais,
sentinelas, os pelotões, uniformes. Ao mesmo tempo que Joyce quer transmitir a
realidade darefeição, ele quer transmitir o sentimento de tensão e conflito que
vem ocorrendo durante a noite. Ele faz isso por uma razão muito simples, muito
profunda: precisamos fazer parte dessa comunhão. O compartilhamos é a nossa
morte. Todos naquela sala morrerão . Não naquela noite mas algum dia. Diante da
mortalidade, que vem aos grandes e pequenos igualmente, todas as diferenças
entre nossas vidas são meros detalhes superficiais. Quando a neve cai no fim do
conto, uma passagem comovente, ela cobre, da mesma maneira todos os seres vivos
nos mortos. Já estamos preparados, tendo compartilhado a refeição comunal que
Joyce criou, para uma comunhão não da morte, mais do que vem antes, a vida.
Capítulo três: atos
de vampirismo
Fantasmas e vampiros nunca são apenas
fantasmas e vampiros. No conto Daisy Miller (1878), de Henry
James, no qual não há fantasmas, possessões demoníacas nem nada mais misterioso
que uma ida ao coliseu de Roma a meia noite. Daisy é uma jovem americana que
faz o que quer, e assim ofende os rígidos costumes da sociedade europeia da
qual deseja, com desespero, obter aprovação. Winterbourne, o homem de que ela
deseja atenção, enquanto sente por ela ao mesmo tempo atração que repousa,
enfim revela-se temeroso demais da desaprovação da comunidade americana
estabelecida e expatriada para continuar atras dela. Após inúmeras desventuras,
Daisy morre, aparentemente por causa de um miasma que a afetou durante passeio
noturno. Mas sabe porque de fato a matou? Vampiros.
Não são necessários caninos e capa para
se fazer um vampiro. São elementos essenciais de uma história de vampiro, uma
figura mais velha que representa valores corruptos e ultrapassados, uma jovem
de preferência virgem, um desnudamento de sua juventude, energia e virtude, uma
extensão da forca do velho, morte ou destruição da moça. Vamos examinar isso:
os personagens tem nomes associados as
estações do ano, Winterbourne (frio, morte) e Daisy (primavera, flores, renovação). O gelo do
inferno destrói a flor delicada invejosa. Ele é consideravelmente mais velho
que ela, que se associa de humor durante a sufocante sociedade euro anglo
americana. Ela tem frescor e inocência, ate parece leviana. Ele, a tia e seu
círculo observam Daisy e a desaprovam mas, devido a ambição de ter alguém para
desaprovar, nunca cortam por completo as relações com ela. Brincam com sua
ânsia por se tornar um deles, drenam-lhe a energia até que ela começa minguar.
Winterbourne combina voyeurismo,
arroubos imaginários e reprimendas obstinadas, tudo culminando quando ele a
encontra com um amigo no Coliseu e decidir ignorá-la. Sobre o seu
comportamento, Daisy afirma: "ele corta minha alma!". Tendo absorvido
todo frescor e vitalidade, Daisy é deixada definhando. Mesmo tendo destruído e
consumido a menina, ele segue adiante, sem se comover o suficiente. Porque que
se considera a figura devoradora ou personalidade vampírica de um veículo narrativo.
Essa abordagem expõe se a carência psíquica de mulheres jovens que a sociedade
despreza ou descarta. Emprega-se a figura do vampiro comum emblema de como
sociedade — polida e normal na aparência — aproveita-se das vítimas e as
consome.
O século XIX está repleto de escritores
que mostrou uma linha tênue entre o cotidiano e um monstruoso (Edgar Allan Poe,
R. L. Stevenson). Franz Kafka, o Poe da modernidade, mostra em O artista da
fome (1924), numa elegante reviravolta da narrativa tradicional de vampiro,
como multidões de espectadores observam o jejum do artista consumi-lo -
canibalismo socialÉ nisto que essa figura realmente consiste, seja numa
encarnação Elisabetana, vitoriana ou mais moderna: a exploração em suas muitas
formas. Usar outras pessoas para obter o que queremos. Negar a alguém o direito
de viver em face de nossas demandas sobrepujantes. Colocar nossos desejos, em
especial os mais abjetos, acima das necessidades do outro. Isso é bem o que o
vampiro faz. Enquanto as pessoas agirem em relação ao próximo de maneira
exploradora e egoísta, o vampiro estará entre nós.
Capítulo quatro: na
dúvida, soneto
Quando começar a ler um poema, observe
o seu formato. Existem diversos modos pelos quais um poema consegue encantar o
leitor: escolhas de imagem, musicalidade da linguagem, ideias que contém,
destreza no jogo de palavras. No mínimo uma parte da resposta, se a magia
provém de de um soneto, é a forma. O soneto tem sido grande parte da
poesia em inglês texto do século XVI, existem alguns poucos tipos principais de
soneto e uma imensidade de variações. Mas o que a maioria deles apresenta são
duas partes, uma de oito versos e outra de seis. O soneto petrarquiano usa um
esquema de Rimas que conecta os oito primeiros versos (a oitava), seguido por um
esquema de rimas que unifica os últimos seis (sextilha). O soneto
shakespeariano, por outro lado, tende a dividir-se em quatro: três quadras e um
dístico - três estrofes de quatro versos, uma estrofe de dois versos.
Capítulo cinco: velhos
conhecidos
Ao falar sobre o romance Going after Cacciato (1978), de Tim O'Brien, sobre
a guerra no Vietnam, o autor estabelece ligações com Alice no país das
maravilhas e com a história de
Sacajawea (guiou expedição que atravessou os Estados Unidos), argumentando que:
os leitores às vezes não percebem no envolvimento com a história que, tudo ali
foi enxertado de outros lugares. Se compreendermos que O'Brien fez novas
propostas com material proveniente de fontes anteriores para atingir as
próprias finalidades. Ele joga como conhecimento sedimentado do leitor sobre
história cultura e literatura. Embora a história pudesse ter tomado rumos
diferentes com a mudança do modelo literário, em qualquer um dos casos ganharia
uma espécie de ressonância com os diferentes níveis narrativos que começariam a
emergir. Ai história não está mais inteiramente na superfície, começa a ganhar
profundidade. Que estamos tentando fazer é aprender a ler esse tipo de coisa
como um velho professor arguto, aprender a capturar essas imagens familiares, e
ser capaz de enxergar o elefante antes de ligar os pontos. Histórias se nutrem
de outras histórias. T.S. Elliot afirmou que, quando uma nova obra criada, ela
é posta entre os monumentos, somando e alterando a ordem deles.
Toda essa semelhança entre literaturas
é muito boa, só que: qual a relevância dela para nossa literatura? Se não
enxergamos a referência, não significa nada? Então, A pior coisa que pode
acontecer é lermos a história por seu valor de face, como se percursores
literários não estivesse lá. Partindo desse princípio, tudo que se conseguir
depreender do texto é lucro. O deleite que sentimos ao reconhecer um componente
familiar de experiências prévias, ainda não é o bastante. Esse momento de
prazer, maravilhoso como é, ainda não é o bastante, de modo que a consciência
da similaridade nos leva adiante. O que tipicamente acontece é que ao
reconhecermos elementos de algum texto anterior, começamos a traçar comparações
e analogias que podem ser fantásticas, para lógicas, trágicas, tudo. Uma vez
que isso ocorre, nossa leitura do texto muda em relação à leitura governada
pelo que está declarado na página.
Se a história é boa e os personagens
funcionam, mas você não percebe as alusões, referências e analogias, não fez
nada pior que ler uma boa história com personagens memoráveis. Mas, se começam
a identificar alguns desses outros elementos, esses paralelos e analogias,
entretanto, vão ver que sua compreensão do romance se aprofunda em ganhar mais sentido
e complexidade.
Capítulo seis: ser
ou não ser, Shakespeare é questão
Shakespeare é uma fonte
inesgotável excitações mas, também representa uma figura contra quem usa
escritores podem lutar, uma fonte de textos com base na qual outros textos
podem rebater ideias. Os escritores se encontram engajados num relacionamento
com escritores mais antigos, é claro, esse relacionamento se dissipa ao longo
dos textos, o novo emergindo em parte por meio de textos anteriores, que
exercem influência sobre o escritor de um modo ou de outro. Esse relacionamento
chama-se intertextualidade. O que tem nisso para os leitores? Com frequência,
digo a meus alunos que a leitura é uma atividade da imaginação, e a imaginação
em jogo não é a do escritor sozinho. Além disso, nossa compreensão de ambas as
obras se torna mais rica e profunda à medida que ouvimos esse diálogo se
desenrolar, enxergamos as implicações para nova obra, enquanto, ao mesmo tempo,
Reconfiguramos nosso pensamento, mesmo que só de modo ligeiro, sobre a obra anterior.
Capítulo sete: passeio
pelo Éden literário
O personagem de Samuel L. Jackson em
Pulp Fiction, apesar de todos aqueles palavrões, é um Vesúvio de linguagem
bíblica, uma erupção constante de retórica e imagens apocalípticas. Eis o
quadro: um jovem de 12 anos que antes experimentara uma vida segura e
descomplicada, que se limitava ir à escola e brincar de vaqueiro e índio nas
ruas de Dublin com os amigos, descobre as meninas. Para ser mais
específico, uma menina, a irmã de seu amigo Mangan. Nem a irmã nem nosso jovem
herói têm nome, então, a situação é levemente genérica, o que é útil. Sendo um
pré adolescente, o narrador não tem como lidar com objeto de seu desejo e, nem
mesmo os recursos para reconhecer o que sente como desejo. Afinal, sua cultura
faz tudo que pode para manter meninos e meninas separados e puros, e suas
leituras escrevem relações entre os sexos apenas como os termos mais genéricos
castos. Ele promete tentar comprar alguma coisa num bazar, a Arábia do
título, onde ela não pode ir (por causa, significativamente, de um retiro no
convento em que estuda). Após muitos atrasos e frustrações, ele enfim chega ao
bazar bem na hora de fechar. A maioria dos estandes está fechada, mas ele acaba
encontrando um onde uma moça e dois rapazes flertam de um modo que não é muito
atraente para o jovem enamorado, e ela mal se incomoda em perguntar o que ele
quer. Desencorajado, ele disse que não quer nada e se volta para sair, com os
olhos os embaçados por lágrimas de frustração e humilhação. De súbito ele
percebe que os próprios sentimentos não são mais elevados que os deles, que foi
tolo, que esteve metido nessa jornada em nome de uma menina comum que,
provavelmente,nunca sentira nada por ele. Temos aqui a perda da inocência.
A imagem bíblica: o bazar coberto. Mas
há dois vasos enormes postos na entrada da loja, Joyce informa,Como guardas
orientais. Esses guardas são tão bíblicos quanto possível: "ele imprimiu
um homem e colocou, diante do jardim do éden, os querubins e a chama da espada
fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida". Genesis 3,24. Nesse
caso, o algo uma inocência anterior, seja do éden, seja a infância. O que chama
atenção nas histórias sobre perda da inocência, a razão porque batem tão fundo,
é que são muito definitivas. Você nunca pode retornar. Por isso, os olhos do
menino ardem com lágrimas que cegam, é a espada fulgurante. Dificilmente se ler
Donne, Mallory, Hawthorne ou rossetti sem esbarrar em citações, enredos,
personagens, histórias inteiras tiradas da Bíblia. Basta dizer que todo
escritor antes de meados do século XX recebia uma sólida instrução religiosa.
Nem todo uso da religião é ortodoxo, é
claro. Muitos textos modernos e pós modernos são essencialmente irônicos, nos
quais as alusões a fontes bíblicas são utilizadas não para ressaltar
continuidade entre a tradição religiosa e os dias de hoje mas para ilustrar uma
disparidade ou ruptura. Desnecessário dizer que tal uso da ironia pode causar
problemas (Salman Rushdie).
Em Sonny's blues (1957), de
James Baldwin, ecoa Caim e Abel por entre formas modernas (jazz, heroína
clínicas de reabilitação). Deixamos de enxergar meramente moderno conto triste
e sórdido de um jazzista e seu irmão professor de álgebra. Ao contrário, a narrativa
ressoa com a riqueza de precursores distantes, com o poder acumulado do mito. A
história deixa de estar fixa em meados do século XX e se torna atemporal e
arque típica, falando das tensões e dificuldades que existem sempre e em todo
lugar entre irmãos, com todo o seu carinho, dor, culpa e amor. Essa história
nunca envelhece.
Capítulo oito: o inusitado
e o familiar nas histórias
Provavelmente daqui a 100 anos, as
pessoas não estarão familiarizadas com as comédias do cinema da década de 1980.
Se está a procura de uma ressonância tópica, o cinema ou a televisão correntes
podem funcionar bem, embora o quadro de referência assim como o poder de
permanência possam ser um pouco limitados. Mas vamos pensar em termos de fontes
ligeiramente mais canônicas. Nomes canônicos a exemplo de Shakespeare, James
Joyce, se esse Elliot. Hoje em dia, Um dos problemas com a diversificação do
cânone é que os escritores modernos não podem supor um corpo de conhecimento
incomum da parte dos leitores. O Que os leitores conhecem varia muito mais do
que no passado.O que o escritor pode usar como paralelo, analogias, estruturas
de enredo, referências que a maioria dos leitores conhece? Literatura infantil.
contos de fada, Alice no país das
Maravilhas, Disney, Branca de neve, Bela adormecida. Um bônus aqui incluído é a
falta de ambiguidade nos contos de fada. Robert coover tem um conto chamado the
gingerbread hiuse, baseado em joao e maria. A história faz uso do nosso
conhecimento do conto original ao intrigar sinais que reconhecemos com
indicações das partes com que estamos familiarizados: a bruxa por exemplo, à
medida que a narrativa progride, transforma-se por metonímia, nos farrapos
negros que veste, como se vislumbrássemos com canto dos olhos (metonímia é um
recurso retórico em que uma parte é usada para representar tudo). Não Vemos a
bruxa atacar as crianças, em vez disso, ela mata os pontos que comi as migalhas
de pão. Em certo sentido, esse ato é ainda mais ameaçador, como se ela pagasse
a única memória do caminho das crianças para casa quando, no fim do conto, O menino
e a menina chegam a casa de doces, vemos apenas de relance os farrapos negros
que a brisa faz trêmula. Somos levados a reavaliar o que sabemos dessa
história, em relação ao grau em que damos esses elementos como certos. Ao
interromper a narrativa, onde o drama em geral rebenta, com as crianças
inocentemente pecando contra a propriedade da bruxa, Cooper nos força a enxergar como nossas
respostas, ansiedades, temores são condicionadas por encontros anteriores com o
conto de fada original. Veja, ele sugere, você não precisa da história porque
já interno avisou por completo. Essa é uma coisa que escritores podem fazer com
conhecimento litoral de fontes de textos, nesse caso, contos de fadas. Eles
podem para começar as histórias e vira aulas de ponta cabeça. Angela carta faz
isso em quarto do barba-azul, uma coletânea de contos que deixa so o esqueleto
dos contos de fadas velho e sexista, para criar revisões subversivas e
feministas. Promove uma reviravolta em nossas expectativas sobre história do
barba-azul, do gato de botas, da chapeuzinho vermelho, para nos fazer enxergar o sexismo inerente nessas narrativas
e, por extensão, na cultura que as incorpora.
Não é necessário usar a história
inteira, não estamos tentando recriar o conto de fadas. Ao contrário, tentamos
fazer uso de detalhes ou padrões, pedaços de alguma história anterior (ou uma
que você conheceDe fato como um texto anterior, Jack tudo texto), para
acrescentar profundidade e textura ao quarto, produzir um tema, emprestar
ironia alguma afirmação, brincar com conhecimento Arraigado que o leitor tem
dos contos de fadas. na verdade você pode evocar a história inteira só por meio
de uma única pequena referência. Porque? Porque contos de fadas, assim como
Shakespeare, a Bíblia, a mitologia de todas as outras Escritas em narrações,
pertencem ao mão única grande história e porque, desde que crescemos bastante
para lerem para nós ou nos em custamos gente da televisão, temos convivido
nessa história e em suas variações com fadas.
Não acaba sendo uma coisa irônica? sim
dúvida. Esse é um dos melhores efeitos colaterais de tomar algum emprestado de qualquer
texto anterior. Aí reunia, com muitas faces, impulsionar uma boa parte da
ficção e da poesia, mesmo quando a obra não é abertamente irônica ou a ironia é
sutil. Sempre que quantos de fadas e sua visão de mundo simplista saltam numa
conexão com o o nosso mundo complicado, do ponto de vista moral, é quase
certeza que se pode esperar ironia.
Queremos que o novo romance seja
diferente de tudo que já lemos antes. Ao mesmo tempo, examinamos para que seja
suficientemente parecido com outras coisas que menos, para que possamos
usar-las para lidar sentido. Se o escritor manipula as duas coisas de uma vez,
o inusitado e o familiar, cria vibrações, harmonias que acompanham uma melodia
linha narrativa principal. Essas harmonias são de onde vem as sensações de
profundidade, solidez, ressonância. Ordem, da Bíblia, de Shakespeare, Dante ou
Milton, mas também de textos mais humildes e familiares.