20071101
Glauber Rocha, esse vulcão (J.C.T. Gomes, 1997)
João Carlos Teixeira Gomes. Glauber Rocha, esse vulcão. Rio: Nova Fronteira, 1997.
Ela (Rosa Maria Penna, mulher de Glauber) se recorda de que no trabalho de cinema ele era muito exigente e profissional, por possuir uma base teórica de alto nível e ser prátco no seus objetivos, apesar da sofisticação do pensamento. Unia-os aindao mesmo amor pelos museus da Europa, onde se demoravam pelas tardes. Nele ainda a impressionava a consciência que tinha de marketing cultural, que sabia administrar os seus contatos com os jornalistas, zelando pela sua imagem de realizador e, em suma, de profissional do cinema. (p.227)
A "Estética da Fome" é um ensaio sobre as relações culturais entre os países europeus e o mundo subdesenvolvido, secularmente estabelecidas num clima de opressão (já denunciado no Brasil, há mais de duzentos anos, pelo poeta-fazendeiro Gregório de Matos e Guerra), opressão essa que gerou o atraso social, a dependência política e a espoliação econômica, além, naturalmente da desfiguração cultural. A sedimentação da cultura é um trabalho de raízes, fundado naquilo que um país pode construir de mais característico através da ação de gerações sucessivas, anônima ou erudita, mas sempre produzidas de dentro para fora. As influências externas são inevitáveis e não devem ser repelidas, sob pena de cair-se no xenofobismo irresponsável, mas só produzem resultados positivos se assimiladas de forma que não se revelem desfiguradoras da cultura nativa. (p.270)
Glauber disse: Enquanto a América Latina lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor dessa miséria, não como sintoma trágico, mas apenas como dado formal do seu campo de interesse. Nem o latino comunica sua verdadeira miséria ao homem civilizado, nem o homem civilizado compreende verdadeira mente a miséria do latino. Para o observador europeu, os processos de criação artística do mundo subdesenvolvido só interessam na medida que satisfazem sua nostalgia do primitivismo; e este primitivismo se apresenta híbrido, disfarçado sob tardias heranças do mundo civilizado, mal compreendidas porque impostas pelo condicionamento colonialista. Este condicionamento econômico e político nos levou ao raquitismo filosófico e à impotência, que, às vezes inconsciente, às vezes não, geram no primeiro caso a esterilidade e, no segundo, a histeria. A esterilidade: aquelas obras encontradas fartamente em nossas artes, onde o autor se castra em exercícios formais que, todavia não atingem a plena prossessão das suas formas. O sonho frustrado de universalização: artistas que não despertam o ideal estético adolescente. (Paulo César Saraceni. Por dentro do Cinema Novo: uma viagem. Rio, Nova Fronteira,1993, p.180-181) (p.271)
Numa das mais radicais colocações dialéticas que tanto caracterizava o seu pensamento, formulou os conceitos de "cinema original" e "cinema de imitação" para defender a articulação do Cinema Novo em torno de um projeto uniforme de rejeição do cinema industrial de Hollywood, a ele contrapondo a idéia, sempre trabalhada, de "cinema de autor", para que pudesse refletir a nossa realidade de país subdesenvolvido sem qualquer artifífio ou embelezamento. Não queria que o espectador nacional fosse ao cinema para ver filmes brasileiros "à americana", ou seja, filmes que, cedendo à cultura de dominação, espelhassem as técnicas e os procedimentos típicos de Hollywood, condicionadores de uma falsa visão de mundo em escal internacional e comprometidos com objetivos de entretenimento alienado e lucro fácil, pela exploração sistemática da violência, da ilusão e do sexo. "Monstro produtor de ilusão" - assim qualificou o cinema de Hollywood, de tal forma poderoso que, diante dele, todos se curvavam, cedendo-lhe à influência. (p.365)
A única violência admissível para Glauber, pois, era a libertadora, ou seja, aquela que pode ajudar as vítimas pela denúncia da ação dos seus opressores. Nesse sentido é que se legitimava a exposição das cenas de violência, a fim de que o povo adquirisse a consciência das suas múltiplas formas de manifestação e aprendesse a repudiá-la. [...] Conscientemente, Glauber opunha essa estética do degradante aos "filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em automóveis de luxo: filmes alegres, cômicos, rápidos, sem mensagem, e objetivos puramente industriais".
A exibição da violência, pois, não deveria ser um fim em si mesmo, como sucede nos filmes comerciais, mas sim um elemento de conscientização, para favorecer uma atitude de condenação e refletido repúdio. Se o artista tem a consciência plena dos seus meios, não há motivos para que rejeite os temas ditos feios ou contrangerdores, como a própria fome, porque não é a substância que desvela a arte, mas a forma que a envolve. (p.274) {Na arte o que importa é a forma}
Glauber só compreendia o papel do cinema no terceiro mundo como alavanca contra a opressão. Conduzir essa luta era função dos artistas, porque ele não acreditava que, no mundo capitalista e sobretudo nas áreas subdesenvolvidas, os políticos e os tecnocratas viessem jamais a resolver os problemas da sociedade. (p.375)
O processo de montagem não goza de unanimidade entre os grandes diretores e o grau do papel que assume para eles muito depende das suas vinculações estéticas. Roberto Rosellini, por exemplo, o grande iniciador do neo-realismo italiano, autor de obras fundamentais na história do cinema pós-guerra, como Roma, cidade abarta e Paisá, que influenciaram gerações de cineastas no mundo inteiro, em suas memórias qualifica a montagem como "o momento do embuste e da má-fé", porque transformava os montadores nos "verdadeiros donos do filme" (p.397)
O que ele (Glauber) queria era a criação de "uma linguagem alternativa", não dependente do passado, e que representasse "a linguagem política mais avançada do Terceiro Mundo", expressando a realidade do Brasil e de todos os países que emergiram da dominação coloniaalista com as seqüelas conhecidas. (p.398)
A insistência com que ele defendia um projeto nacional, sua permanente pregação para que criássemos internamente um sistema de distribuição e exibição capaz de enfrentar e competir com aquele que nos impunha o exterior, a resistência que oferecia aos caminhos do cinema de Hollywood, tudo isto poderia criar a idéia de que Glauber era um incurável xenófobo, um ideólogo do nacionalismo chauvinista intransigente e, sobretudo, um rancoroso inimigo dos Estados Unidos. Tal imagem, porém, não corresponderia à verdade. ... Na entrevista concedida ao jornalista Flávio Costa, da Manchete, ao ser indagado sobre Como são os Estados Unidos, respondia, em pleno clima da guerra do Vietnã: Um grande país, com uma força enorme e que vive uma crise que, vencida, poderá abrir novos caminhos para a humanidade, sem guerra (...). O imperialismo está sendo posto em questão dentro dos EUA. E isto é mais importante do que se pode pensar à primeira vista. O povo americano é um povo extraordinário, porém viciado por uma máquina de informação que o aliena do resto do mundo. (p.381)
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